Folha de S. Paulo


'Há desvirtuamento na relação de trabalho no Mais Médicos', diz procurador

O caso da médica cubana Ramona Rodriguez, que abandonou o programa Mais Médicos na semana passada, ajudou o procurador do Ministério Público do Trabalho, Sebastião Caixeta, a esclarecer mais alguns pontos da investigação que analisa se o Mais Médicos viola a legislação trabalhista brasileira. Para ele, "há desvirtuamento na relação de trabalho".

"O programa Mais Médicos tem sido avaliado como um projeto necessário para garantir o atendimento do direito fundamental à saúde mas ele tem sido implementado de maneira a sacrificar outros valores constitucionais.

A MP [medida provisória que criou o programa] dizia que se tratava de um curso de especialização. Seria uma pós-graduação. Essa ampla instrução que fizemos no inquérito mostrou que na verdade o que está acontecendo é suprir a falta de médicos nas unidades de saúde do Brasil afora", afirmou.

Para o procurador, o argumento do governo de que os profissionais cubanos são regidos pelas normas do acordo firmado com a Opas não é legítimo e os médicos precisam ter assegurados direitos como pagamento de férias e 13º salários.

"Não é isso que diz nossa legislação, tampouco os tratados internacionais de que o Brasil faz parte...] O tratamento deve ser isonômico", disse.

Na condição de testemunha, Ramona prestou depoimento no início da tarde de hoje no MPT, em Brasília. Ela contou como era sua rotina na cidade de Pacajá, no Pará, onde ela atuava desde outubro do ano passado.

Segundo a médica, no mês passado ela fez um curso pela internet às sextas-feiras, mas afirmou não saber quem era o brasileiro responsável pela supervisão das aulas de especialização.

"Essas pessoas não estão nos municípios, nas unidades de saúde, seja no interior ou nas capitais, para fazer um curso de pós-graduação. Elas estão ali para atender uma necessidade de trabalho e atendimento médico vinculados às necessidades do SUS", afirmou Caixeta.

A médica contou também que tinha que avisar para um supervisor em Belém qualquer intenção de sair do município e tinha que informar sobre possíveis relacionamentos com outras pessoas. De acordo com Ramona, o supervisor é ligado à Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), que faz a mediação da parceria entre Brasil e Cuba para a vinda de profissionais da ilha.

Durante o depoimento, Ramona voltou a afirmar que se sentiu enganada pelo governo cubano por receber apenas $400 dólares no Brasil, ao invés de receber os R$ 10 mil pagos a profissionais de outras nacionalidades que também atuam no programa.

Para o procurador, a União deve ressarcir os médicos cubanos. "Vamos ainda tentar com a União a correção extrajudicial. Não sendo possível, a lei impõe ao Ministério Público ingressar em juízo, na primeira instância, não no Supremo Tribunal Federal, buscando a correção de todas as irregularidades", explicou Caixeta.

O relato da médica cubana integrará o inquérito em curso no ministério público. Segundo Caixeta, ainda não há data para finalizar as investigações, que começaram há cerca de dois meses.

Ramona foi ao MPT acompanhada por dois deputados, o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). Ao deixar o programa, Ramona pediu ajuda à Caiado que chegou a acolhê-la no gabinete da liderança do partido, onde ela dormiu por uma noite.

Além de ajudar Ramona, Caiado pretende questionar o Tribunal de Contas da União para que informe quanto dinheiro foi repassado para Cuba por meio do programa Mais Médicos.

RAMONA

Integrante do Mais Médicos, a cubana Ramona Matos Rodriguez, 51, deixou o programa e anunciou na noite desta terça-feira (4) que vai pedir asilo político ao Brasil. Ela disse que vai permanecer refugiada na liderança do DEM na Câmara dos Deputados, aguardando uma decisão do governo brasileiro, já que está sendo "perseguida pela Polícia Federal".

Clínica-geral, ela chegou ao país em outubro e atuava em Pacajá, no Pará. Ela diz que deixou a cidade no sábado e seguiu para Brasília após descobrir que o valor de R$ 10 mil pago pelo governo brasileiro a outros médicos estrangeiros era muito superior ao que ela recebia pelos serviços prestados.

A cubana alega ainda ter sido enganada sobre a possibilidade de trazer seus familiares ao país.

Ramona foi apresentada nesta terça no plenário da Câmara por líderes do DEM. Em entrevista, ela contou que recebia por mês US$ 400 para viver no Brasil e outros US$ 600 seriam depositados em uma conta em Cuba, que só poderiam ser movimentados no retorno para a ilha.

A médica não revelou como chegou à capital federal nem como foi feito o contato com os deputados da oposição. Ela contou, porém, que decidiu procurar o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) depois de fazer uma ligação para uma amiga no interior do Pará e ser informada que a Polícia Federal já tinha sido acionada para buscar informações sobre seu paradeiro, sendo que agentes teriam procurado seus conhecidos na cidade.

Ela não deu detalhes de como chegou ao deputado e disse que se sente enganada por Cuba. A médica mostrou um contrato com a Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos, indicando que não houve acerto entre o Ministério da Saúde e a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde)

"Eu penso que fui enganada por Cuba. Não disseram que era o Brasil que estaria pagando R$ 10 mil reais pelo serviço dos médicos estrangeiros. Me informaram que seriam US$ 400 aqui e US$ 600 pagos lá depois que terminasse o contrato. Eu até achei o salário bom, mas não sabia que o custo de vida aqui no Brasil seria tão alto", afirmou a cubana.

Ela disse que tem uma filha que também é médica em Cuba e que sente receio pela situação dela. Romana afirmou que já trabalhou em uma missão de Cuba na Bolívia por 26 meses.

A médica disse ainda que enfrentava problemas para se deslocar entre cidades brasileiras, tendo sempre que avisar a um supervisor cubano, que ficava em Belém.

Ronaldo Caiado afirmou que a liderança do DEM na Câmara será a embaixada da liberdade para os médicos cubanos. Ele afirmou que sua assessoria prepara para amanhã o pedido de asilo da médica ao governo brasileiro e que irá pessoalmente conversar sobre o caso com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

"O DEM se coloca à disposição com estrutura física e jurídica", disse.

Os oposicionistas disseram que vão arrumar um colchão e as condições necessárias para que ela permaneça no local.

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que não vai interferir no caso porque a liderança é um espaço de cada partido.

Vitrine eleitoral da presidente Dilma Rousseff, o Mais Médicos tem o objetivo de aumentar a presença desses profissionais no interior do país, em postos de atenção básica, e para isso permite a atuação de médicos sem diploma revalidado em território nacional. Atualmente, cerca de 7.400 médicos cubanos estão selecionados para atuar no país.


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