Folha de S. Paulo


Atirar em rapaz foi exagero, dizem especialistas

Um manifestante de 22 anos foi baleado pela polícia durante o protesto anteontem em São Paulo contra a realização da Copa no Brasil.

O ato terminou com 135 detidos sob acusação de vandalismo, segundo a Secretaria da Segurança Pública.

O estudante Fabrício Proteus Nunes Fonseca Mendonça Chaves foi ferido a tiros pela PM, no peito e na virilha, na esquina das ruas Sabará e Piauí, em Higienópolis.

A polícia alega que os tiros foram disparados em legítimas defesa, após o estudante tentar agredir um dos policiais com um estilete.

A Corregedoria da PM vai investigar a conduta dos policiais no episódio.

Imagens de câmeras de segurança exibidas pelo "Fantástico", da Rede Globo, mostram dois PMs perseguindo Fabrício na rua.

Ao ser alcançado, ele se volta contra um dos policiais, que cai. O jovem então cai sobre ele, mas não é possível saber se ele tentou agredir o PM ou se já havia sido atingido por um dos tiros.

As imagens também são inconclusivas sobre o momento exato dos disparos e se Fabrício tinha um estilete nas mãos, como relatam os PMs.

Em seguida, o vídeo mostra Fabrício cambaleando, antes de cair novamente.

Em boletim de ocorrência registrado no 4º DP (Consolação), os PMs confirmam ter atirado no rapaz, mas dizem que, antes, ele resistiu à prisão e agrediu policiais.

Segundo a versão da polícia, o estudante e um amigo de 25 anos foram abordados na rua da Consolação, por onde manifestantes se dispersavam após o protesto.

O rapaz, de acordo com essa versão, teria tentado fugir após uma revista descobrir explosivos em sua mochila.

Familiares de Fabrício não souberam dizer se ele portava um estilete no sábado, mas contaram que ele costumava andar com o instrumento, pois trabalha como estoquista na rua 25 de Março e o utilizava para abrir caixas.

PROPORÇÃO

Especialistas em segurança disseram que, mesmo que o jovem tenha atacado o policial com o estilete, a reação da PM foi desmedida.

"Os policiais estavam em maior número e usaram arma de fogo, que não é muito razoável em relação a um estilete", disse Alamiro Netto, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP.

"Para os policiais, essa proporcionalidade é mais severa porque eles são treinados para conter os próprios impulsos. Se ele pudesse dominar fisicamente [o menino], sem usar nenhuma arma, essa medida é a que estaria dentro do dever dele", afirmou Heloisa Estellita, professora doutora em direito penal na FGV- SP.

Após ser baleado, Fabrício foi levado pelos próprios policiais para a Santa Casa de Misericórdia por volta das 23h30, o que contraria recomendação da Secretaria da Segurança para que a PM aguarde a chegada de socorro especializado.

A polícia diz ter acionado o Samu. Porém, como o sangramento do rapaz piorou e a ambulância não chegava, decidiu levar o rapaz.

Fabrício foi operado quatro vezes entre a madrugada e a manhã de domingo e estava em coma induzido até a conclusão desta edição.

Fabrício é aluno da Etec (escola técnica estadual) Getúlio Vargas, uma das mais tradicionais de São Paulo. As Etecs são uma das principais vitrines do atual governador Geraldo Alckmin (PSDB).

O jovem curtia páginas da tática de protesto "black bloc" no Facebook e participava de diversos protestos na capital paulista, mas, segundo a família, nunca se envolvia em "nada perigoso".

"O Fabrício é um cara calmo, que começou a ir às ruas em junho, por achar errado aumentarem a tarifa do transporte", diz Gabriel Galileo Chaves, 24, seu irmão.

Fabrício trabalha como estoquista nos Armarinhos Fernando, na rua 25 de Março, no centro, e deseja se formar em engenharia.


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