Folha de S. Paulo


Fabiana da Silva, 35

Com recesso na creche, catadora carrega as crianças pelas ruas de SP

Moradora da favela do Moinho (na região central de São Paulo) e mãe de três meninos, Fabiana da Silva, 35, é conhecida como a "catadora do som". Carregando uma carroça com o filho caçula e sobrinhos, ela procura o sustento da família no lixo dos "ricos". Ex-usuária de crack, passou pela antiga Febem quatro vezes e teve o primeiro filho na cadeia. Hoje, escreve o livro da sua vida e espera, com a venda, sair da favela.

*

Depoimento:

Estou escrevendo o livro da história da minha vida. Meu sonho é ganhar um dinheirinho com ele para dar entrada em uma casinha e conseguir sair da favela do Moinho.

Enquanto não acabo de escrever, sustento a família catando o lixo dos ricos.

O pessoal aqui na região da Santa Cecília [região central de São Paulo] me conhece como a "moça com a carroça com som". A música me distrai. Gosto de música gospel, mesmo não indo à igreja.

Cato coisas no lixo, mas não peço esmola.

Já pedi muito, mas já faz muito tempo. Eles te humilham, te xingam, te chamam de vagabunda. Prefiro abrir o lixo e caçar minhas coisinhas para ganhar um dinheiro.

Não peço nem uso as crianças para isso. Meu menor e meus três sobrinhos agora andam comigo porque as creches estão de férias e não dá pra deixá-los com o meu mais velho, de 13 anos, porque ele não cuida deles direito.

Levar as crianças atrapalha um pouco porque fica mais difícil, pesado, e diminuiu a busca. Tem que ser forte.

Na escola de um dos meus sobrinhos, até falaram que tinha a opção de levá-los para outra creche aberta, mas é lá perto da avenida do Estado. Não tem como ir até lá.

Na creche do meu menor, não teve opção. Fecharam em dezembro e só abrem agora no começo de fevereiro.

Creche particular não dá. É muito caro. Quem sabe depois de terminar o livro.

Tem um pessoal que está me ajudando a escrevê-lo. O mesmo que me tirou das ruas, das drogas. Eles me internaram, insistiram em mim.

Deixei a casa da minha mãe aos nove anos. Na rua, onde vivi até os 23, aprendi tudo de ruim que existe nela. Descobri o crack. Descobri o crime. Roubei. Furtei. Fui internada quatro vezes na Febem [hoje, Fundação Casa].

Com 21 anos, fui presa por um roubo que eu não cometi. Não que eu fosse santa. Já fiz muita coisa errada, mas daquela vez não tinha feito.

É aquela coisa: um dia Deus castiga. Cumpri um ano e cinco meses de prisão sem dever. Conheci dentro da cadeia o dia mais feliz e o mais triste de minha vida.

O mais feliz foi ter meu primeiro filho. Só quem é mãe sabe a emoção que é. Quando ele decidiu nascer, me levaram para o hospital e tive complicações no parto. Foi muito difícil.

Em seguida, veio a parte triste. Fiquei só um dia com meu menino. Depois levaram ele pra um abrigo e eu, de volta pra prisão. Só voltei a vê-lo 11 meses depois, quando terminei de cumprir a pena.

Depois da prisão, aprendi a ter mais respeito pelas coisas. E mais medo também.

Ensino aos meninos que a gente tem que trabalhar, suar pra conseguir as coisas.

Conheço família que vive de pedir, de geração em geração. Os filhos acabam seguindo esse caminho. É feio.

Papelão e latinha rendem muito pouco, R$ 15 no máximo por dia. Tiro minha renda mesmo das outras coisas que encontro no lixo.

Com sorte, até consigo tirar R$ 250 em um dia. Acontece quando passo por Higienópolis [bairro nobre] e encontro um móvel bom. Aí, pego e vendo na favela mesmo.

Ainda não sei quando meu livro ficará pronto. Dizem que pode ser em um ano.

Viver no Moinho não é ruim, mas tem muito perigo de fogo. A gente que tem filhos fica com medo.

Tenho fé em Deus que vai dar tudo certo.


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