Folha de S. Paulo


Alunos de Harvard visitam cracolândia durante remoção de barracos em SP

Em vez das salas de estudo de uma instituição com 377 anos de tradição, o lugar de aprendizado de 14 estudantes da Universidade Harvard ontem foi a cracolândia, no centro de São Paulo.

Acompanhados de 16 colegas escolhidos entre instituições brasileiras, alunos da graduação e da pós-graduação da faculdade de saúde pública da universidade americana visitaram o local pela manhã.

Ao mesmo tempo em que ocorria o "tour", a Prefeitura de São Paulo removia os barracos de usuários de crack na esquina da alameda Dino Bueno com a rua Helvetia.

A vista à cracolância faz parte de um curso de três semanas com a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e a Faculdade de Medicina da USP, e inclui aulas sobre saúde mental e visitas a hospitais.

Segundo Maria Amélia Veras, professora da Santa Casa e uma das coordenadoras do curso, o intercâmbio ocorre desde 2008, com passagens de alunos em cidades como Salvador (BA) e Fortaleza (CE).

Antes de saírem pelo centro, o grupo ouviu algumas explicações sobre como funciona uma das 16 unidades do SAE (Serviço de Assistência Especializada) em São Paulo, na avenida Glete, próxima à área das remoções.

Logo no começo da visita, após saírem da unidade, o grupo encontrou por acaso o secretário de Saúde de São Paulo, José de Filippi Júnior, que acompanhava os procedimentos na região.

Ao ser apresentado ao médico indonésio Panji Hadisoemarto, 35, que faz parte do grupo de estudantes, Filippi Júnior disparou, sorrindo e abraçando o estudante: "Não quer vir para o Mais Médicos?".

Hadisoemarto, 35, faz doutorado na área de doenças infecciosas em Harvard. "A Indonésia é um país em desenvolvimento como o Brasil. Nós também muitos problemas por lá, mas nada como isso aqui", afirmou.

Perguntado sobre os "Mais Médicos", disse que já havia ouvido falar do programa, mas não conhecia detalhes a respeito.

A canadense Sarah MacDonald, 22, estudante de epidemiologia, também estava impressionada. "É muito chocante e me abriu os olhos. Há algumas coisas que você tem que pôr o pé na rua e ver na vida real, além dos livros."

Já Thaís Terceiro Jorge, 23, nasceu em Fortaleza (CE), mas fez graduação em química e biologia no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e está terminando o mestrado pela Escola de Saúde Pública de Harvard.

Visitando a cidade de São Paulo pela primeira vez, disse estar frustrada ao ver a disparidade entre a região da avenida Paulista, onde os estudantes estão hospedados, e a cracolândia.

PSIQUIATRA E PALHAÇO

A visita dos estudantes foi guiada pelo psiquiatra Flávio Falcone, 34, que trabalha no "Braços Abertos", na rua Helvetia, onde a prefeitura atende a população usuária de drogas da região.

Falcone utiliza um método diferente para realizar seu trabalho: fantasia-se de palhaço para realizar uma abordagem orignal junto aos usuários de crack.

Enquanto realizava seu estágio de residência em psiquiatria na USP, anos atrás, fez sua formação como palhaço. Hoje, junta seu conhecimento nas áreas para conquistar a empatia de viciados no centro.

"Vestido de palhaço, eu consigo criar um vínculo de igual para igual com essas pessoas. Virei amigo de todos aqui. Como psiquiatra, a relação seria hierarquizada", disse.

O objetivo de Falcone é trazer os usuários para o "Braços Abertos". "Lá oferecemos todo tipo de tratamento. Uma das abordagens é a redução de danos [em que se busca reduzir os danos do uso de drogas sem obrigar o usuário a abandoná-las]. A ideia é mudar a concepção de que tratamento significa abstinência."


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