Folha de S. Paulo


Lixão em favela do Rio vira área de preservação ambiental

Uma área verde planejada para substituir um lixão tem tudo para ser o próximo "point" do Vidigal, a famosa favela da zona sul carioca com vista para o mar.

Batizado de Parque Ecológico Sitiê, o lugar antes associado ao cheiro ruim foi reinventado por três moradores da comunidade. Sem apoio do poder público, eles criaram um modelo de recuperação ambiental na favela situada entre os bairros do Leblon e de São Conrado.

Desde que foi ocupado por policiais, no fim de 2011, o Vidigal virou endereço de cariocas "do asfalto" e turistas interessados em fazer negócios imobiliários, aproveitar baladas em lajes ou simplesmente conhecer a cidade.

No topo da comunidade, o Sitiê surgiu com a proposta de ser um novo ponto de encontro entre a população local e os visitantes.

Mauro Quintanilha, 53, Paulo César de Almeida, 52, e Thiago de Sousa, 32, são os responsáveis pela recuperação do espaço público que, desde a década de 1980, concentrava tudo que era descartado na região --de móveis quebrados a entulho.

Assim que decidiu limpar a área com as próprias mãos, em 2005, o trio virou motivo de piada. Mas onde antes havia o lixão, hoje existe um espaço com horta e árvores frutíferas. Tudo na cultura orgânica, sem uso de agrotóxicos.

LEGO DE PNEU

O Sitiê é um terreno íngreme, com cerca de 40 mil metros quadrados --o equivalente a cinco gramados do Maracanã. Apesar de pertencer à prefeitura, acabou virando um parque público sob gestão da população local.

As pilha de pneus retirados no processo deu origem a escadas montadas como peças de Lego. Mas o preto das peças foi substituído por cores.

"A gente tirava um pouco de lixo em um dia e os moradores jogavam mais ainda no dia seguinte", relembra Almeida, ao mencionar a dificuldade enfrentada no início.

Para quebrar o hábito de lançar lixo no terreno, eles começaram a plantar em cada metro que se abria e passaram a distribuir a produção da horta para os moradores.

"Isso mexeu com eles. Passaram a ver que era errado jogar lixo ali", diz Almeida, que dá expediente como gari comunitário pelas ruas do Vidigal. "Quando conheci o Mauro, não dava nem para chegar na casa dele."

Mauro mora ao lado do parque. Foi ele quem pensou no nome "Sitiê", uma combinação de sítio com tiê, passarinho vermelho visto com frequência pela região.

Percussionista, ele divide seu tempo entre a música e o trabalho de recuperação. "Foram décadas de poluição. Em oito anos, já tiramos mais de 16 toneladas de lixo", diz.

"É um trabalho que não acaba. Todo dia a gente ainda tira lixo", acrescenta Sousa, atual gerente do parque.

Na parte baixa do Sitiê, próxima à avenida Niemeyer, a concentração de lixo ainda é grande.

DESIGN DE PONTA

Conectada por morros à favela da Rocinha, o Vidigal sempre foi considerado local estratégico na venda de drogas da cidade. Assim como em outras favelas cariocas, a instalação da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), se não acabou com o tráfico, ao menos inibiu o trânsito de homens armados pelas ruas.

"O Sitiê é um exemplo para a cidade inteira", diz o paraibano Pedro Henrique de Cristo, 30, arquiteto formado em Harvard que alugou uma casa no Vidigal e, recentemente, se juntou ao trio.

Em breve, o local deve ganhar oficina de reciclagem, sala de alfabetização, biblioteca e escola de gastronomia.

O projeto é comandado pelo arquiteto, que pretende investir no design dos equipamentos a serem construídos no parque. Ele diz que muitos falam em sustentabilidade, mas poucos agem. "Sem entender direito o que é meio ambiente, esses caras promoveram a maior inovação de espaço público que eu já vi."


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