Folha de S. Paulo


Não dá para congelar o crescimento de São Paulo, diz secretário

Uma cidade mais "caminhável", densa e compacta, que evite o "mar de paliteiros", os espigões em pequenos lotes e ruas estreitas, e um mínimo de 20% de unidades de habitação popular nessas novas áreas a serem adensadas é a São Paulo que Fernando de Mello Franco, 48, secretário de Desenvolvimento Urbano da gestão Fernando Haddad (PT), visualiza com a revisão do Plano Diretor.

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Arquiteto, doutor pela Universidade de São Paulo e professor visitante de Harvard, Mello Franco acredita que a capital precisa ser adensada "porque não dá para congelar a cidade". A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu por Skype, de seu escritório em São Paulo.

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Folha - A principal crítica ao novo Plano Diretor é que ele adensa a cidade em áreas de fácil acesso ao transporte público porque ônibus e metrôs já estão superlotados. Há capacidade para mais gente?

Fernando de Mello Franco - Nenhum lugar tem capacidade de suporte. A população tem uma expectativa de vida maior, as pessoas envelhecem e morrem muito mais tarde, logo cada vez há mais unidades por família, menos reciclagem de unidades. A isso, soma-se o gigantesco déficit habitacional, de 3 milhões de pessoas vivendo em condição irregular. Teríamos que parar e não deixar ninguém nascer. O raciocínio tem que ser o contrário: para onde direcionar o crescimento da cidade e fazer os investimentos necessários. O adensamento vai caminhar com a expansão da infraestrutura. Expandir telefonia e energia é de interesse das empresas que oferecem esses serviços. Não dá para congelar a cidade, o que precisamos é de orientar o desenvolvimento.

O plano é criticado por ser longo demais, ter um texto quase impenetrável. Como a população vai entendê-lo? Nova York tem cartilha e quadrinhos.

Todo texto de lei é difícil. A linguagem jurídica é complexa, as palavras não podem ser ambíguas, vagas ou coloquiais. Mas estamos aprimorando o site, incluindo as perguntas mais frequentes e vamos começar a ilustrar. Mas para ajudar o debate e atrair insumos para a gente, vamos lançar no próximo dia 21 um concurso nacional de arquitetura para modelar propostas. Vamos premiar 35 trabalhos, fazer uma exposição de maquetes e ensaiar, como diz o mercado, produtos imobiliários.

Concursos de arquitetura em SP têm seus vencedores normalmente engavetados.

Serão parte dos insumos, não temos obrigação de incorporar. Nosso desejo é de que o material seja rico o suficiente para podermos usar.

O plano prevê uma cota solidária, com 20% de imóveis de habitação popular em zonas de adensamento. Há décadas o mercado imobiliário não mistura classes sociais diferentes.

Não é só o mercado imobiliário, isso reflete a sociedade. Já vivemos situações em que essa diversidade foi regra. No repovoamento da área central de São Paulo, há coexistência de diversas classes sociais --hoje um valor restrito ao centro. Na Operação Água Branca [projeto que incentiva a ocupação da região] que acabamos de aprovar, 20% do valor pago em Cepacs [certificado para permitir adicional de construção] tem que ser investido na produção de habitação de interesse social, cerca de R$ 600 milhões. A lei já prevê esse mix social. Duvido que estejam no mesmo empreendimento, mas essas unidades estarão na mesma área. São Paulo já teve muito dessa experiência.

Em Nova York, ao longo do parque High Line, o zoneamento determinou que os galpões eram zona industrial para evitar que galerias de arte dessem lugar a torres. Como evitar que o patrimônio de nossos bairros industriais sejam substituídas por torres?
No nosso zoneamento já existe a Zona Predominantemente Industrial (ZPI), ao longo dos rios e das linhas férreas. Estamos repensando as vocações econômicas da cidade com ZDEs, Zonas de Desenvolvimento Econômico, que tentam proteger esse patrimônio de se transformar apenas em torres de serviço ou residenciais. Temos que preservar carinhosamente um quintal para a cidade.

Em Barcelona, o zoneamento fez com que a prefeitura tivesse a opção preferencial para adquirir velhos armazéns da zona portuária para fazer praças, centros culturais, espaços públicos. E São Paulo?

Seria o ideal, mas não há verbas. Estamos discutindo a política de terras em São Paulo. Quando você tem a informação de todo patrimônio imobiliário disponível, pode articular políticas setoriais. Quando a secretaria de Habitação procura terreno para construir moradia e de Educação busca outro para fazer creche, por que não juntar os recursos e fazer creches no térreo?

Nos novos corredores de transporte público que poderão ser mais adensados, o plano prevê um máximo de uma vaga de garagem por unidade. Qual foi a reação do mercado imobiliário?

Fomos muito conservadores até. Poderíamos ter ações mais incisivas para inverter esse paradigma da vida centrada no uso do automóvel. Em Cingapura, você precisa comprar uma licença para usar automóvel que custa mais que o carro. Em Hamburgo, na Alemanha, a média é de 1,4 carro por unidade habitacional. Deveríamos tensionar esse cabo. Hoje há limite de mínimo de vagas por empreendimentos, enquanto na Operação Água Branca, estipulamos um limite máximo. Já é uma mudança.

Atualmente garagens no térreo, recuos, grades e muros altos desestimulam qualquer caminhada. Isso vai mudar?

No plano, propomos que tudo que ative o uso da rua --o atravessar um lote, o comércio no térreo-- não pague outorga. Não obrigamos, mas é um incentivo.

O mercado atribui a calçada isolada aos empreendimentos por questão de segurança, apesar dos arrastões a prédios que parecem fortalezas. Como mudar essa ideia?

A questão da segurança tem uma inércia para ser revertida. Qual a minha aposta? Continuar a estruturar a vida ao redor do automóvel é impossível. As pessoas já estão mudando. Se vou da garagem da minha casa a garagem do meu trabalho, não olho nem a paisagem no caminho. Nesses eixos que estarão focados no transporte público, vou caminhando a pé até o ônibus. Ando até o escritório. Passo pela padaria, farmácia, lavanderia. Com mais gente na rua, elas vão demandar mais serviços ao longo do trajeto, o que vai revalorizar o comércio de rua.

O Plano Diretor vai conseguir evitar a construção de espigões lote a lote em ruas estreitas, que desfigurou bairros como Itam e Vila Madalena?

Temos que derrubar o mito de que verticalização é igual adensamento, sem criar o choque do mar de paliteiros. Em São Paulo, a verticalização é desadensadora. Um monte de casinhas com famílias grandes é substituído por um prédio com apartamentos grandes e com menos gente. Ao longo desses eixos dos corredores, teremos instrumentos para limitar o tamanho das unidades. Quem quiser 400 m² e cinco vagas de garagem, tem o resto da cidade, fora desses eixos. Queremos gerar diversidade.

Eduardo Knapp - 01.fev.2013/Folhapress
O secretário de Desenvolvimento Urbano da gestão Fernando Haddad (PT), Fernando de Mello Franco, 48
O secretário de Desenvolvimento Urbano da gestão Fernando Haddad (PT), Fernando de Mello Franco, 48

Como conciliar a exigência de uma porcentagem mínima de apartamentos de habitação social com os lucros para atrair o mercado imobiliário?

Além do que a prefeitura constrói com recursos próprios, precisamos da iniciativa privada. Precisamos fechar a conta, com números na frente --22% das áreas passíveis de transformação dos corredores serão de interesse social. Estamos calculando quanto terreno vazio ou possíveis de transformação há ao longo deles. A escassez gera aumento do preço. Para equilibrar o valor, temos que reduzir a escassez nesses corredores.

Por que o plano de 2002 não foi respeitado? O que vai mudar agora na fiscalização e na sua execução?

Várias coisas não estavam regulamentadas. O PD determina várias áreas como de interesse social, mas que nunca foram utilizadas porque não tinha financiamento. Faltou uma lógica de produção, que hoje, com o Minha Casa Minha Vida e outras formas, é mais possível. Na revisão, colocamos vários itens autoaplicáveis, ou seja, que passem a valer no minuto seguinte à aprovação da lei, como a regulamentação prevista de adensamento dos corredores de ônibus. Também houve um processo de amadurecimento. Questões que foram muito combatidas em 2002 não foram nem questionadas nas audiências de que participei, como o coeficiente básico 1. Todo mundo tem o direito de construir 1 vez a área do terreno. Quem quiser construir mais terá que pagar pelo direito adicional de construir.

O sr. espera que o plano seja aprovado?

A disputa não vai ser fácil, nunca imaginei que fosse, mas estou otimista. A gestão é o segredo. Sem um gestão articulada, os recursos não são aproveitados. Estamos fazendo um amplo processo de consulta popular para que o plano responda aos anseios dessa participação. Pactos são necessários para que a sociedade assuma o plano.


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