Folha de S. Paulo


'Cela estava alagada e sem luz', diz estudante preso em ato no Rio

Ciro Brito Oiticica, 25, chegou ao presídio Patrícia Acioli, em São Gonçalo (município da região metropolitana), no início da noite da última quarta-feira (16), quinze horas após ser detido na escadaria da Câmara Municipal, na praça Cinelândia, durante o protesto dos professores no centro do Rio.

Aluno dos cursos de Comunicação Social da UFRJ e de Relações Internacionais da PUC-Rio, Ciro foi orientado a tirar a roupa para vestir uma camiseta branca e um short azul, identificado com a inscrição: "Ressocialização".

"Depois fomos para uma sala onde tivemos o cabelo raspado e a barba cortada. Também tive que ficar nu para realizar um exame físico onde era obrigado a agachar e levantar as pernas", disse Ciro à Folha, que comentou o novo penteado.

"Vejo o cabelo raspado com orgulho. É fruto da minha indignação, como uma cicatriz que se torna um troféu."

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O rapaz é da mesma família do artista plástico Hélio Oiticica, mas o parentesco é distante ("De terceiro ou quarto grau"). Ele mora em Copacabana, na zona sul carioca.

Em São Gonçalo, ficou em uma cela com quinze metros quadrados acompanhado por outros cinco manifestantes.

Dos 64 presos no protesto, 36 foram encaminhados à instituição penal de São Gonçalo.

Arquivo pessoal
Universitário Ciro Oiticica diz ter se sentido orgulhoso após ser preso em protesto no Rio
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Chegaram ao local em um micro-ônibus da PM conduzido por policiais da Tropa de Choque, segundo o relato de Ciro.

"Choveu muito naquela noite. A minha cela estava alagada e sem luz".

Para o jantar, o carcereiro ofereceu ao rapaz dois pães de cachorro-quente, mas sem recheio algum; e um copo de guaraná natural.

Ao deitar na espuma usada como colchão, Ciro teve dificuldade para dormir, incomodado pela presença de mosquitos.

"Aos poucos, me acostumei com o zumbido dos mosquitos e peguei no sono", lembrou.

Logo ao acordar, soube que seria liberado da prisão. Vestiu novamente a própria roupa e aguardou a conclusão do procedimento.

"Ficamos esperando, sempre mantendo a mesma posição. Fomos orientados a ficar de costas para a parede, com as mãos atrás do corpo como se estivéssemos algemados, e a cabeça baixa", descreveu o estudante.

Ciro e outros dois jovens foram liberados em torno de 13h de quinta-feira (17). Foram os primeiros a obter na Justiça os alvarás de soltura.

ESTUDANTE ACAMPOU NA CÂMARA

Por um breve período, Ciro se chamou "Amarildo", uma referência ao morador desaparecido da favela da Rocinha. Foi o codinome escolhido pelos manifestantes que acamparam no plenário da Câmara Municipal durante doze dias, em setembro passado.

O grupo optava pelo anonimato e se apresentava como "os Amarildos" no protesto contra a CPI dos Ônibus que estava em curso no plenário da Câmara naquele período. Ciro era um dos nove acampados que permaneceram dentro da Câmara até o fim da ocupação.

Na última terça, no entanto, ele disse estar a trabalho, pondo em prática o aprendizado em comunicação social, como repórter do movimento "Rio na Rua".
"Eu estava entrevistando os manifestantes na escadaria quando a polícia nos cercou," disse ele.

Mais de 100 policiais organizaram um cordão diante do palácio Pedro Ernesto, sede do poder legislativo municipal.

"Eles chegaram batendo os cassetetes nos escudos, para intimidar mesmo. Logo depois, começaram as detenções. Foram levando um a um, sem dar justificativa alguma", afirmou Ciro, que seguiu com outras 35 pessoas em um ônibus de linha, a serviço da PM, até a 25ª DP, no Engenho Novo (na zona norte carioca), localizada a dez quilômetros de distância da praça da Cinelândia.

De acordo com Ciro, o grupo passou à noite em uma sala da delegacia e o procedimento de identificação só começou às 7h de quarta-feira.

"Passamos a noite na delegacia sem saber a razão de estar ali. Depois, soubemos que seríamos levados para um presídio e indiciados por formação de quadrilha."

Procurada pela Folha, a Polícia Militar não comentou o caso de Ciro Oiticica, mas informou que "todas as denúncias de possíveis abusos de policiais durante os protestos estão sendo investigadas através de sindicâncias."


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