Folha de S. Paulo


Para testar faixa, empresária usa ônibus e põe doméstica em carro

Fazia 25 anos que Cozete Gomes não entrava num coletivo --no Brasil. Antes de encarar sua primeira viagem pela faixa exclusiva de ônibus em São Paulo, a empresária se viu diante de uma dúvida cruel: qual sapato, entre os cerca de 600 pares, ela usaria para subir no veículo?

Sua empregada, Bernadete de Nazaré Alves Oliveira, 56, não se fez de rogada: escolheu brincos "brilhantes" e um colar de miçangas para sua "estreia" no banco de trás de um carrão importado.

Pela primeira vez em três anos de trabalho, ela não faria baldeações entre metrô e ônibus para ir do flat da patroa, na Vila Nova Conceição (zona sul), até sua casa, no Jaçanã, bairro da zona norte imortalizado por Adoniran Barbosa, em "Trem das Onze".

A convite da Folha, patroa e empregada trocaram de veículos para opinar sobre as faixas exclusivas de ônibus, uma das apostas da gestão Fernando Haddad (PT) para acelerar os coletivos.

Para encarar o "busão", Cozete escolheu um modelito, digamos, discreto: bota de cano curto bicolor, da portuguesa Helsar, calças jeans, body preto de mangas longas, bolsinha beterraba Versace e jaqueta branca Prada.

Despediu-se de suas "princesas", Charlote, uma cadela da raça lulu-da-pomerânia de dois anos, e Sophie, uma yorkshire de oito anos, como se fosse cruzar o Atlântico.

Foi de carro até um ponto na avenida 23 de Maio. Lá, embarcou no ônibus, que seguiu pela faixa exclusiva --hoje, a cidade de São Paulo possui 312,3 km dessas vias.

SÓ PARA VIPS

Assim que a linha Terminal Varginha-Largo São Francisco começou a rodar no sentido centro, Cozete, 42, espantou-se: "Nossa, como está andando rápido!". Acostumada ao transporte individual, disse que "deu pena ver aquele amontoado de carros ali, ficando para trás".

Pena também ela sentiu de não existir nas vias expressas uma faixa diferenciada, só para automóveis VIPs. Sugestão da empresária: "Esses veículos pagariam um pedágio bem alto para circular por corredores mais rápidos".

Na troca de experiências, Bernadete posou ao lado de um dos quatro carrões importados e blindados da patroa. Na Land Rover vermelha, deu uma volta no quarteirão, mas, na hora de seguir viagem para o Jaçanã, pegou carona num carro 1.0 da reportagem.

"Faixa exclusiva para ônibus é uma belezinha aqui, na parte rica", disse Bernadete. "Acho ótimo que exista, mas ainda é muito pouco para uma cidade tão grande."

Segundo o Datafolha, quase nove a cada dez paulistanos (88%) são favoráveis às faixas exclusivas para esse tipo de transporte. Na opinião da doméstica, "para quem leva pisão no pé, mão-boba e encoxada, na faixa ou não, um fusquinha seria o paraíso". "Prefiro ficar horas num carro parado no trânsito, sentada no conforto, do que levar desaforo dentro de busão."

No ônibus articulado, Cozete tinha opção de sobra de ir sentada, mas preferiu fazer um tour pelos 18 metros do coletivo. O ajudante de confeiteiro Mizael Ribeiro Amorin, 52, ensaiou oferecer seu assento à empresária. "Já vi essa mulher na televisão. Ela é da novela, não é não?"

Participante da segunda temporada do "reality" "Mulheres Ricas", da Band, Cozete carregava na bolsa "uns postais" com foto sua. Presenteou o cobrador Israel Guilger, 29, que a reconheceu como a "ex-'Mulher Rica'".
"Achei o cobrador e o motorista do ônibus educadíssimos", disse. "Os passageiros, apesar do cansaço, também."

Quando ouviu a opinião da patroa, Bernadete não se conteve: "A senhora é linda, chique e perfumada. Vai pegar o ônibus na periferia de manhãzinha ou no fim do dia para ver o quanto é bom".

O circular seguia pela avenida Ibirapuera, em direção ao terminal Varginha, quando, a partir do shopping, começou a lotar de trabalhadores de volta para casa, com bolsas, mochilas e sacolas.

Eram quase 18h, e, no corredor de ônibus da avenida Vereador José Diniz, formava-se uma longa e lenta fila de coletivos. Já não havia mais lugares para sentar, tampouco para andar dentro do "articulado". Cozete, então, achou melhor apertar a campainha e pedir para descer.


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