Folha de S. Paulo


Licença hereditária para táxi produz mercado de alvarás

Quatro irmãos vindos da Bahia para São Paulo há mais de 20 anos têm um sonho em comum: um alvará de táxi.

Todos eles dependem do serviço para sobreviver, mas nenhum tem autorização da prefeitura para ter seu próprio carro. Por isso, precisam alugar a licença de alguém.

"Trabalho de segunda a sexta 14 horas diárias", conta José Carlos de Jesus Silva, 47. Ele dirige um táxi há seis anos e, sem alvará, precisa gastar R$ 145 por dia.

O mercado de disputa por uma autorização oficial concedida pelo poder público pode ganhar contornos legais pelo país após a aprovação de um projeto pelo Senado na última semana.

Avener Prado/Folhapress
José Carlos de Jesus Silva, 47 (de branco), e irmãos, que alugam alvará para trabalhar
José Carlos de Jesus Silva, 47 (de branco), e irmãos, que alugam alvará para trabalhar

A proposta prevê a hereditariedade das licenças de táxi, com a transferência da autorização para parentes em casos de morte -e autorização para que os familiares possam vender os alvarás.

O texto seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff (PT) -e a tendência é que seja sancionado.

ÁLVARA NA GAVETA

A prática já é parcialmente aceita em São Paulo.

De acordo com o DTP (Departamento de Transportes Públicos), que regula o setor, quando um taxista, detentor de um alvará, morre, fica inválido ou doente, outro motorista pode assumi-lo, mediante registro na prefeitura.

Esse novo motorista é chamado de preposto. Ele não divide o carro com o primeiro titular do alvará, mas o substitui -ou seja, herda o táxi.

"Há muitas pessoas que herdam e guardam o alvará na gaveta, pois já têm uma profissão. Isso prejudica quem quer trabalhar. Só consegue permissão quem já é do meio há tempos", diz Silva.

Em São Paulo existem mais de 57 mil motoristas cadastrados na prefeitura e autorizados a circular. No entanto, a administração só disponibiliza 33 mil alvarás, o que abre margem para um mercado clandestino de aluguéis e vendas de documentos.

A prática de divisão entre dois profissionais é permitida por lei, mas não a cobrança. A mesma coisa acontece com a transferência de alvará, autorizada pela prefeitura desde que seja gratuita, fato que também não acontece. Segundo taxistas, um alvará sem ponto fixo pode custar mais de R$ 100 mil. O presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Natalício Bezerra Silva, admite a prática.

"A prefeitura não fala a palavra vende, quem fala é um motorista inexperiente que abre a boca. Ela autoriza transferir e, como dinheiro não fala, eu coloco ele no bolso e transfiro", disse.

No final do mês passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou todos os alvarás de táxi da capital emitidos desde 1988. Uma nova licitação para prática do serviço deve ser feita em seis meses.

A decisão ocorreu após pedido do Ministério Público, que exige que todos os serviços públicos sejam oferecidos por meio de licitação. Em São Paulo, o alvará é expedido por sorteio público.


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