Folha de S. Paulo


Polícia fecha banco de ossos humanos clandestino no Paraná

Um banco de ossos humanos clandestino, com condições precárias de higiene, foi fechado ontem (3) por policiais civis do Nucrisa (Núcleo de Repressão aos Crimes contra a Saúde), em Londrina (a 388 km de Curitiba).

Documentos apreendidos indicam que os ossos eram vendidos para dentistas em cidades como Belo Horizonte, Goiânia, Vitória, Salvador, Chapecó (SC) e Xanxerê (SC) e enviados pelos Correios.

Ainda não foram identificados receptadores dos ossos --que seriam usados para fazer preenchimento ósseo em casos de implante dentário.

De acordo com a delegada que comandou a operação, Sâmia Coser, em um laboratório mantido em uma casa na zona sul da cidade foram apreendidos pedaços de fêmur in natura, 89 frascos com pedaços de ossos em blocos e 46 frascos com pedaços de ossos moídos em liquidificador.

Em um apartamento localizado na Gleba Palhano, bairro nobre de Londrina, os policiais apreenderam quatro pedaços da parte conhecida como "cabeça" do fêmur. Os ossos estavam na geladeira, ao lado de alimentos.

No apartamento morava Kléber Barroso Cavalca, 42. Ele foi preso preventivamente com seu irmão, Carlo Keith Barroso Cavalca, 37, por suspeita de comercializarem ossos humanos, o que é crime no Brasil.

"Ainda não conseguimos apurar qual é a origem dos ossos nem quantificar as pessoas que foram vítimas do uso desse material. Sabemos que os compradores eram dentistas de vários Estados", informou a delegada do Nucrisa.

De acordo com a odontóloga Ana Carolina Pinto, da Vigilância Sanitária do Paraná, os ossos humanos são vascularizados, ou seja, têm sangue em seu interior. Por isso, se o doador tem alguma doença contagiosa, ela pode ser transmitida para o receptor.

"Nos bancos de ossos regularizados são feitos muitos testes para constatar se não há qualquer tipo de contaminação. Se for encontrado qualquer vírus ou bactéria no osso ele é descartado. Neste caso, não há garantia de que os testes tenham sido realizados nem de que os doadores ou seus familiares estivessem cientes da doação", informou.

Divulgação/Polícia Civil do Paraná
Polícia fecha banco de ossos humanos clandestino no PR; eles seriam usados para fazer preenchimento ósseo em casos de implante dentário
Polícia fecha banco de ossos humanos clandestino no PR; eles seriam usados em preenchimento no caso de implante dentário

CENÁRIO MACABRO

O gerente da Vigilância Sanitária de Londrina, Rogério Lampe, classificou como "macabro" o cenário encontrado no laboratório clandestino e no apartamento. "Havia ossos humanos na geladeira, junto de alimentos. No laboratório, encontramos um liquidificador caseiro, usado para triturar ossos, dentro do banheiro, perto do vaso sanitário e de papel higiênico usado."

Técnicos da Vigilância Sanitária do Paraná disseram, em entrevista à imprensa, que as pessoas que receberam os implantes correm sérios riscos de rejeição e de contrair doenças contagiosas, como hepatite e aids.

No Brasil existem apenas seis bancos de ossos legalizados. O de Curitiba está interditado parcialmente por razões sanitárias. De acordo com o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, que gerencia o serviço, o local está em reforma para se adequar às exigências da Vigilância Sanitária do Estado.

"Há uma série de trâmites a serem seguidos para que um osso seja doado e depois implantado em outra pessoa. Além disso, não há muita disponibilidade de ossos em condições de implante no país, por causa do baixo índice de doadores. Como não respeitavam as condições legais e sanitárias básicas, eles (os suspeitos presos) sempre tinham o material para oferecer", completou a delegada Sâmia Coser.

Ela suspeita que o comércio ilegal de ossos humanos acontecesse desde 2004, quando os suspeitos tentaram abrir um banco de ossos legalizado. Eles não conseguiram por causa de um parecer contrário da Central de Transplantes do Paraná.

A delegada informou que as investigações seguirão no Paraná. No inquérito que será encaminhado ao Ministério Público Estadual, ela recomendará a notificação das polícias civis dos Estados onde possivelmente havia compradores.

Pequenos frascos com ossos eram vendidos por R$ 180 a R$ 250, segundo a Polícia Civil do Paraná.

Na rede social Facebook, a reportagem localizou uma conta no nome do "Banco de Ossos da Santa Casa de Londrina", que dá como endereço físico o do apartamento de Kléber Barroso Cavalca.

Por meio de nota, a Santa Casa de Londrina informou que não tem nenhuma ligação com o banco de ossos ilegal e que "tomará medidas judiciais cabíveis pelo uso indevido do nome e da imagem do hospital neste caso."

O artigo 15 da Lei 9.434/1997 prevê de dois a oito anos de reclusão para quem comercializa ossos, tecidos ou órgãos humanos.

OUTRO LADO

À Folha o advogado Omar José Baddauy, que defende os irmãos Cavalca, disse que deve pedir ainda nesta quarta-feira a revogação da prisão preventiva deles.

"Ainda não tive acesso aos documentos para saber o que levou o juiz a decretar a prisão. Mas entendo que ela não é necessária. Pelo que eu sei até o momento, as coisas não são exatamente como estão sendo comentadas", declarou.


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