Folha de S. Paulo


ONG americana incentiva cubanos a buscar visto humanitário

Presidente de uma ONG em Miami que reúne cubanos da área de saúde que desertaram de missões pelo mundo, o médico cubano Julio Cesar Alfonso quer incentivar os médicos da ilha que virão ao Brasil a desistir do Mais Médicos e buscar um visto americano.

"O regime cubano trata esses meninos como se fossem máquina nessas missões. Eu lhes faria uma convocatória: busquem a embaixada dos EUA no Brasil e peçam um visto humanitário", diz Alfonso, da ONG Solidariedade Sem Fronteiras.

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Ele convocou uma entrevista coletiva para hoje em Miami com objetivo de alertar sobre as condições de médicos cubanos em "missões" no exterior. "O Brasil será um tema principal. Estamos surpresos com esse acordo."

O visto dos EUA a que Alfonso se refere é o CMPP (Cuban Medical Professional Parole), um visto humanitário criado pelo governo George W. Bush em 2006 para atrair pessoal da área médica cubana que trabalha no exterior --atualmente, a maior fonte de divisa para o governo da ilha.

Mais um elemento do modelo de Guerra Fria que permanece nas relações Havana-Washington, o CMPP é o principal instrumento de trabalho da ONG. Segundo ele, 4.000 profissionais chegaram aos EUA por causa do programa.

O governo americano informou que 1.762 cubanos já haviam recebido o visto especial em novembro de 2010, a maioria "desertando" da missão médica na Venezuela.

Questionado sobre o número atual de vistos já concedidos, o Departamento de Segurança Interna dos EUA não havia respondido até o fechamento desta edição.

Para conseguir o CMPP, o o profissional deve chegar com seu passaporte a uma representação americana no país em que se encontra e pedir os formulários do visto.

Em geral, os EUA demoram até três meses para responder ao pedido. Segundo o jornal "The Wall Street Journal", 21 cubanos conseguiram o benefício no Brasil.

Sergio Lima/Folhapress
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebe no aeroporto de Brasília, cinco médicos do programa Mais Médicos
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebe no aeroporto de Brasília, cinco médicos do programa Mais Médicos

Não há números oficiais de quantos profissionais desertaram das filas das missões cubanas. Em geral, a participação nos programas de médicos no exterior é altamente disputada em Havana.

Fora da ilha, o salário é maior e há mais acesso a bens, que podem ser revendidos depois, mas os profissionais estão proibidos de levar familiares aos países em que vão atuar e há restrições em seus locais de trabalho.

Os incentivos foram insuficientes para o enfermeiro cubano Alain García Caballero, 30, que conseguiu um CMPP para deixar a Venezuela no ano passado.

"Não podia sair da casa depois de seis da tarde. Morava com 28 pessoas em uma casa e ganhava muito pouco, 1500 bolívares [R$ 580]. Recebíamos ameaça: se não nos comportássemos, poderíamos voltar para Cuba", diz García.

Hoje, ele trabalha como assistente de enfermagem em Miami e estuda para a prova de validação de seu diploma de enfermeiro.

"Somos bons profissionais. Estamos acostumados a trabalhar praticamente sem nada. Trabalhamos com o coração. Eu iria feliz para o Brasil, um país muito solitário, mas acho que o contrato deveria ser com os médicos, pessoalmente", afirma.


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