Folha de S. Paulo


Morte de policiais militares seria caso raro de parricídio

Duas especialistas em parricídio -assassinato de parentes, em especial pai e mãe- afirmam que, se for confirmado que Marcelo Pesseghini, 13, é o autor dos disparos que mataram seu pai, sua mãe, a avó e a tia-avó, está configurado um caso muito raro na criminologia.

A constatação joga mais fumaça numa investigação que sofre com questionamentos e vaivém de depoimentos.

Segundo Kathleen Heide, professora da Universidade do Sul da Flórida, são "extremamente raros nas estatísticas científicas, ao redor do mundo e ao longo do tempo, agressores tão jovens".

Heide fala com propriedade. Autora de três livros e de mais de 60 artigos sobre parricídio, ela analisou mais de 1.600 casos de crianças e adolescentes que mataram pai, mãe ou ambos a partir de dados registrados nos EUA, entre 1979 e 2007.

"Outra característica pouco usual é a morte de vários membros da família de uma só vez. A maioria desses crimes ocorre quando um único filho mata um único parente", explica ela. que lançou neste ano o livro "Understanding Parricide" (Oxford University Press).

Estudos de Heide apontaram três tipos de agressores: aqueles abusados pelos pais, os que apresentam transtornos mentais graves e os antissociais.

Quase todo parricídio se encaixaria em um ou mais de um desses tipos. "Há casos raríssimos com os quais já me deparei em que crianças alienadas e muito deprimidas cometem parricídio."

Para ela, um fator que precisa ser levado em consideração neste caso é a suposta obsessão de Marcelo por armas.

"Se, além disso, ele tinha fácil acesso a armas de fogo e estava constantemente submetido a histórias, imagens, pensamentos e brincadeiras ligados a violência, há aí a indicação de um problema."

Heide relata que alguns casos pesquisados de filhos que mataram os pais "começaram como fantasias de que cometeriam o crime, passaram a encenações e terminaram com a sua consumação."

ABUSOS E PERGUNTAS

Para Paula Inez Cunha Gomide, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia e pesquisadora de parricídio no Brasil, Marcelo não parece sofrer de um transtorno mental claro nem de personalidade antissocial, dois dos três tipos de agressores identificados por Heide.

"O psicopata não se arrepende e o psicótico tem histórico de surtos e alucinações, que teriam vindo à tona."

Como Marcelo, na hipótese investigativa atual, teria cometido suicídio após matar os familiares, o caso não se encaixaria no tipo psicopata nem no antissocial.

"Para ser parricídio, portanto, precisaria haver abuso sexual, físico ou psicológico", diz Gomide. "Se não temos essa informação, não significa que não houve o abuso."

Gomide estuda oito parricidas presos em Curitiba (PR) e afirma que esse tipo de crime costuma chocar porque parece ser contrário à natureza humana, em que filhos devem gostar dos pais e vice-versa.

"Mas pais que maltratam filhos abandonam o papel de cuidadores e se tornam algozes. Se a família diz que a relação na casa era harmônica, mas Marcelo dizia ao colega que queria matar os pais e fugir, há contradição aí", diz.

Ainda assim, a especialista questiona a conclusão de parricídio: "Como uma criança subjuga dois adultos policiais? Por que ele usaria luvas se se mataria depois? Essas perguntas ainda precisam ser respondidas".


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