Folha de S. Paulo


É "humanamente impossível" ter matado 73, diz tenente-coronel sobre Carandiru

O tenente-coronel Carlos Alberto dos Santos afirmou na madrugada desta quinta-feira, durante o julgamento sobre o massacre do Carandiru, que "é humanamente impossível matar 73 pessoas em 15 minutos de operação. Não sei por que estamos sendo acusados disso". Ao todo, 111 detentos foram mortos durante invasão policial ocorrida após uma rebelião na casa de detenção em 2 de outubro de 1992.

"Nosso acesso ao pavilhão estava muito prejudicado. Havia muitas barricadas montadas pelos presos. Gritávamos para que os presos jogassem as armas no chão e entrassem nas celas", disse o tenente-coronel.

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"Os presos disparavam contra a tropa e jogavam sacos com sangue e urina contaminada. Levei um tiro na perna, caí e saí de lá com a ajuda de outros policiais."

Questionado se algum policial teria atirado em colegas só para se fazerem passar por vítimas, o tenente-coronel afirmou que "isso jamais aconteceu".

O policial concluiu seu depoimento afirmando que a invasão foi um evento muito "traumático" para sua família. "Esse episódio trouxe um transtorno muito grande para mim e para minha família. Meus filhos viram as fotos com presos mortos durante a invasão e me perguntaram se eu havia feito aquilo."

Após Carlos Alberto, o júri ouviu o depoimento do tenente Edson Pereira Campos. Em sua fala, o réu relatou detalhes do momento da invasão: "tinha certeza que todos nós morreríamos ali. Eu estava com muito medo".

Campos também afirmou que os policiais foram alvos de disparos. "Meu escudo foi atingido por um projétil, mas o equipamento evitou que os PMs fossem atingidos."

Questionado sobre o motivo de ser acusado de matar 73 detentos, enquanto afirma ter dado apenas um único tiro dentro do Carandiru, o réu respondeu:"gostaria que a senhora me respondesse, pois busco essa resposta há mais de vinte anos".

Após este depoimento, a juíza encerrou os trabalhos, que devem ser retomados às 13h.

Mais cedo, o major Marcelo Gonzales Marques também afirmou em depoimento que os presos fizeram disparos de armas de fogo contra os policiais durante a invasão.

"O diretor do Carandiru disse que não havia mais como controlar a situação e que a PM teria que agir rapidamente (...) Nós gritávamos para eles largarem as armas e entrarem nas celas, mas eles efetuaram disparos contra a tropa", contou o major durante depoimento.

Segundo ele, ocorreram três confrontos no interior do presídio. No último, ele teria sido atingido por uma facada. "No confronto conosco, imagino que foram feridos uns 15 detentos (...) Eu não vi nenhum policial efetuando disparos contra presos dentro das celas."

Antes de Marques falou o coronel Valter Mendonça, que na época era capitão da Rota (tropa de elite da PM) e responsável por coordenar a ação.

Os outros 18 policiais militares acusados preferiram não se pronunciar durante o interrogatório. Na época dos fatos, todos eram praças (soldados, cabos ou sargentos), ou seja, nenhum deles tinha poder de decidir o que seria feito pela tropa.

A estratégia da defesa dos policiais é deixar apenas os oficiais falarem. Eram eles quem, teoricamente, tomavam as decisões e definiam quais seriam os movimentos dos policiais que entraram no Carandiru para debelar um tumulto em 2 de outubro de 1992.

Essa é a segunda fase do julgamento. A primeira aconteceu em abril e resultou na condenação de 23 PMs. Apenas três policiais foram absolvidos na ocasião --sendo dois porque não haveria indícios de participação e outro que teria agido em outro andar do presídio.

Os 25 que estão sendo julgados nesta semana eram da Rota. Inicialmente, foi informado que seriam 26 acusados julgados nessa segunda etapa do júri, mas o Tribunal de Justiça corrigiu a informação e afirmou que um acusado morreu antes do julgamento.


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