Folha de S. Paulo


Ciclista que teve braço arrancado busca vida normal com prótese

David Santos Sousa, 21, estava pedalando na madrugada do domingo, 10 de março, quando foi atropelado por um carro na avenida Paulista.

Ele iria limpar os vidros externos de um prédio comercial. O motorista que o atropelou, Alex Siwek, também 21, estudante de psicologia, voltava embriagado de uma balada. Fugiu sem prestar ajuda e ainda jogou o braço decepado do ciclista, que ficara preso no carro, em um córrego da zona sul de São Paulo.

Empresários doaram prótese de R$ 300 mil a ciclista atropelado em SP

Eles nunca se falaram.

Enquanto um aguarda julgamento em liberdade, o outro tenta voltar à rotina que tinha, usando um braço biônico doado.

Rivaldo Gomes/Folhapress
David Santos Souza, 21, exibe a prótese que começou a usar após ter o braço decepado ao ser atropelado de bicicleta na avenida Paulista, em março
David Santos Souza, 21, exibe a prótese que começou a usar após ter o braço decepado ao ser atropelado de bicicleta

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Eu não aguento mais dar entrevistas. Também não gosto de ser reconhecido na rua. Sempre acontece, tem gente que pede para tirar foto comigo. Aonde eu vou me param para conversar.

Mas eu não sou celebridade, sabe? Só quero ter uma vida normal.

Desde o acidente que sofri, em março, estou tentando voltar à rotina que tinha.

Na hora em que caí no chão na avenida Paulista, naquela madrugada, eu percebi o que tinha acontecido. Eu tinha perdido o braço.

Fiquei quase um mês no hospital. Tive muita dor.

No começo, eu sentia o braço que perdi. Mas desde que voltei para casa estou melhorando. Voltei a trabalhar assim que tive alta do hospital.

Sou instrutor de rapel [atividade com uso de cordas e de equipamentos para a descida de paredões, de prédios e cachoeiras, por exemplo].

Continuo trabalhando com isso. Mas parei de limpar vidros externos com o rapel, como eu fazia. Agora eu só dou instruções de rapel. Limpar vidro com um braço só ou com a prótese não dá.

Naquela madrugada do acidente eu estava indo limpar o vidro externo de um prédio na avenida Paulista. Eu ia trabalhar das 6 horas até umas 16 horas, mais ou menos. Era um domingo.

Eu tinha saído cedo de casa e ido de bicicleta até o local de trabalho, como sempre fiz. Estava pedalando na ciclofaixa. Fui pego de frente.

Depois descobri que até dei sorte. Se eu tivesse sido pego de costas, eu poderia estar paraplégico ou tetraplégico.

Também tive sorte porque meu ombro foi preservado e a cirurgia foi bem feita. Isso facilita o uso da prótese.

NOVO RITMO

Eu continuo andando de bicicleta, mas perdi velocidade. Essa foi a grande mudança desde que perdi o braço: eu perdi velocidade em tudo o que faço. E em muitas coisas eu preciso de ajuda.

A minha mãe sempre esteve ao meu lado. Ela parou de trabalhar quando sofri o acidente. Enquanto eu ainda estava no hospital, ela teve de ajudar meu irmão, que sofreu um acidente de moto. Ele quebrou o fêmur e a bacia. Tem um filho recém-nascido.

Agora, ela divide o tempo dela entre o meu irmão e eu. Ela vive pedindo para eu parar de andar de bicicleta, mas eu não vou parar. A bicicleta sempre foi o meu meio de transporte. Pego rua, viela, parque, avenida, tudo. Tem dias que pedalo uns 50 km.

OUTRO ACIDENTE

Há algumas semanas levei um novo susto andando de bicicleta. Um motorista distraído bateu na bicicleta, mas brecou antes de passar por cima de mim. Levantei na hora, a bicicleta se machucou.

Dessa vez, o motorista parou para ajudar. O outro motorista, do acidente de março, nunca procurou a mim nem a minha família. Nunca quis saber como eu estou.

Não sinto vontade de falar com ele, não tenho nada para dizer. Estou aguardando o julgamento. O problema é que tudo é lento neste país.

As pessoas precisam entender que não sou eu quem devo parar de andar de bicicleta. Os motoristas de carro é que precisam dirigir com atenção. Tem gente que dirige ao celular. É óbvio que isso não vai dar certo.

AULA DE DANÇA

Depois do acidente em que perdi o braço comecei a pensar mais em mim, nos meus objetivos. Entrei na aula de dança. Faço sertanejo universitário. A gente tem de tirar as meninas para dançar. Não são todas que topam, não! Mas é bom para manter a forma e não engordar.

Também continuo fazendo Muay Thai [luta tailandesa]. Sempre gostei de esportes.

Hoje também tenho pensado em estudar. Quero muito fazer engenharia civil.

Continuo desenhando, agora com o braço esquerdo. Está sendo difícil porque sou destro, mas estou me acostumando. Gostava de fazer desenhos de caveiras como essas tatuadas na prótese. Eu que pedi esses desenhos no braço. Achei irado, as caveiras brilham no escuro! (risos)

Minha meta é conseguir desenhar com o braço biônico. Dizem que dá. Estou aprendendo devagar a mexer. Já consigo cumprimentar, olha [ele estende a mão biônica para a repórter].

Também consigo levantar um copo. O resto vem com o tempo.

Estou dividindo os meus dias entre o trabalho, a academia, as entrevistas e as viagens a Sorocaba [onde fica a empresa doadora da prótese] para os testes com o braço.

A rotina está corrida. Mas eu gosto assim. Eu sou bem agitado. Se a gente parar, o coração para de bater, né?

É claro que tudo está sendo mais difícil agora. Mas a vida continua. Não vou desistir porque perdi o braço. Daqui para frente é vida nova.


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