Folha de S. Paulo


MC Daleste falava da polícia antes de ser morto, diz irmão

Vestindo camisetas do movimento "o funk pede a paz", cerca de 250 pessoas, entre amigos e fãs, participaram ontem na avenida Paulista de ato em homenagem a Daniel Pellegrine, o MC Daleste, morto aos 20 anos no domingo retrasado após ser alvejado por um tiro no abdome em apresentação em Campinas.

Várias músicas do MC foram cantadas e o ato se encerrou com todos rezando o Pai Nosso. Outros cinco MCs, que foram assassinados de 2010 para cá, também foram homenageados. O dia de ontem também foi marcado por diversas missas de sétimo dia. Só na zona leste --Pellegrine nasceu na favela do Jau, na Penha--, foram cinco.

Rodrigo, 24, o MC Pet, irmão de Daniel, estava no palco no momento dos disparos, que foram dois segundo conta. "Ele estava cantando e parou para interagir com o público. Do nada, veio um primeiro tiro, que passou de raspão em sua axila", lembra.

Zanone Fraissat/Folhapress
Rodrigo, 24, o MC Pet, segura foto do irmão, MC Daleste, morto na semana passada durante show em Campinas (SP)
Rodrigo, 24, o MC Pet, segura foto do irmão, MC Daleste, morto na semana passada durante show em Campinas (SP)

DISPAROS

Sem se dar conta de que se tratava de um disparo, MC Daleste ainda falou: "tá de tiração, né molecote". Três minutos depois veio a segunda bala. Rodrigo conta que no trajeto até o hospital, o irmão perdeu muito sangue. Mas estava lúcido e até brincou: "Vamos fotografar e colocar no Instagram".

Daleste tinha mais quatro shows pela frente naquela noite. Faturaria R$ 30 mil. Costumava se apresentar até 20 vezes em uma só semana.

Rodrigo conta que no momento do segundo disparo o irmão falava sobre "a realidade, de que existe policial corrupto e policial bom". Daleste rememorava um episódio em que foi abordado pela polícia enquanto jogava bola de gude na rua, ainda criança.

Mais de 3.000 pessoas acompanhavam o show, que era gratuito, em um conjunto habitacional popular. Segundo Rodrigo, "aquele não era um bom lugar para se ir: não tinha segurança, era tudo no improviso".

Inconclusiva, a investigação da polícia trabalha com a hipótese de vingança e crime passional.

PASSADO

De acordo com Rodrigo, a apologia ao crime nos funks do irmão era coisa do passado. Tanto ele como o pai, Rolland Pellegrine, dizem que MC Daleste não usava drogas. Vivia com a namorada Erica, 20, desde 2008.

Nos últimos anos MC Daleste se afirmou como expoente do gênero de funk ostentação. "É o funk de quem venceu na vida, do ego mesmo, de olhar para quem eu era e para quem eu sou", explica Rodrigo.

MC Daleste gostava de viver do jeito que achava que merecia, diz Rodrigo --"melhores roupas, melhores restaurantes". Uma de seus fixações eram os carros --tinha um Porsche Cayene e um Dodge Journey.

MC Daleste era caçula de quatro irmãos e viveu infância pobre. Estudou até a oitava série. "Não tinha nem banheiro em casa", diz Rodrigo.

Segundo ele, o irmão escrevia quatro músicas por dia em seus dois tablets, dois iPhones e dois notebooks.

Nunca lançou CD, apenas vídeos pelo YouTube, alguns com mais de 4 milhões de visualizações. Programava-se para uma primeira turnê americana. Também pretendia comprar o helicóptero que está no seu último clipe.

"Você pode até não gostar de funk, mas é uma importante forma de se expressar. É auto-ajuda", diz Rodrigo. Ele estará no vale do Anhangabaú na próxima terça, onde haverá manifestação pela liberação do uso de colete à prova de balas para os cantores de funk. "Pra gente ter uma chance na vida."


Endereço da página:

Links no texto: