Folha de S. Paulo


Após confronto, sindicato dos motoristas de ônibus suspende eleição

Após um confronto na frente do sindicato dos motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo que deixou ao menos dez feridos --um deles baleados-- na noite desta quarta-feira (10), as eleições da entidade foram suspensas por uma semana.

O confronto entre sindicalistas da situação e da oposição teve tiroteio, rojões e acabou com bombas de efeito moral disparadas pela polícia. Há marcas de tiros nas paredes de quase todo o prédio.

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As cenas ocorreram em meio a uma disputa pelo controle do sindicato, que tinha eleições marcadas para começar à 0h de hoje.

De acordo com nota divulgada por Isao Hosogi, presidente desde 2004 e candidato à reeleição, o processo eleitoral foi suspenso "para evitar novo confronto" e para que "as autoridades apurem os fatos e punem os responsáveis".

Fabio Braga/Folhapress
Homem fica ferido em briga no sindicato dos motoristas de ônibus de São Paulo; desentendimento ocorreu antes da eleição
Homem fica ferido em confronto no sindicato dos motoristas de ônibus de São Paulo; desentendimento ocorreu antes da eleição

As cenas de violência ocorreram momentos antes da saída de urnas da sede do sindicato, na Liberdade (região central). A eleição estava prevista para ocorrer nas 32 garagens das empresas de ônibus até as 18h de amanhã.

Segundo a oposição, integrantes da chapa foram ao local à tarde para entregar a lista com nomes de mesários. Eles decidiram acompanhar a saída das urnas, mas acabaram sendo atacados horas depois.

"Fomos recebidos a tiros, bombas de efeito moral e pancadaria", disse Edivaldo Santiago, atual secretário-geral do sindicato e que concorre à vice-presidência pela oposição. "Foi uma batalha, uma guerra, está tudo quebrado."

Ele afirmou ainda que havia policias militares fazendo a segurança de diretores e que, depois do primeiro confronto, policiais civis invadiram a sede do sindicato.

Outros membros da chapa, porém, admitiram que estavam no local para tentar impedir que as urnas chegassem às garagens --dizem que elas haviam sido fraudadas pela situação.

A situação diz que a violência partiu dos opositores, que criaram "clima de terror" e ameaçaram invadir o prédio para roubar as urnas. "Fomos surpreendidos por pessoas alheias à categoria que vieram fortemente armadas e dispararam vários tiros aleatoriamente", afirmou Hosogi.

Ele disse que havia contratado 330 seguranças privados para a eleição, que visava decidir a direção da entidade pelos próximos cinco anos.

O tenente Alexandre Martins, do Corpo de Bombeiros, disse que oito pessoas ficaram feridas no confronto, sendo três baleadas.

Fábio Haddad, diretor técnico do hospital Santa Helena, afirmou que oito pessoas deram entrada no hospital, nenhuma delas baleada. O caso mais grave foi de um homem internado na UTI com traumatismo craniano. Os outros sete tiveram ferimentos leves causados "provavelmente por estilhaços de bomba caseira".

Os dois lados dizem ter integrantes feridos. Santiago disse que seu grupo apenas reagiu aos tiros. "Você tá tomando tiro, vai fazer o que?", afirmou, acrescentando que a reação partiu "dos bate-pau da chapa dois".

A PM diz que recebeu informações sobre disparos de ambos os lados, e que uma perícia está sendo feita parara apurar os fatos.

A Secretaria da Segurança Pública não comentou a participação de PMs na segurança de dirigentes nem detalhou a ação das polícias.

DISPUTA

A disputa no sindicato se acirrou nas últimas semanas, quando a oposição começou a promover atos nas garagens, bloquear terminais e passou a fazer acusações contra a atual diretoria.

A chapa de oposição é formada por 13 dissidentes da atual diretoria, cujo mandato se encerra em novembro.

José Valdevan de Jesus, o Valdevan Noventa, hoje diretor financeiro, é candidato a presidente. Santiago, que presidiu o sindicato por anos, concorre como vice.

Eles acusam Hosogi de receber dinheiro de empresários de ônibus para abafar greves e de articular fraude nas eleições --como a convocação de aposentados que não teriam direito a voto.

"Foi apresentada uma primeira lista de 21 mil trabalhadores aptos a votar, mas a última lista tinha 29 mil. Ou seja, em apenas 30 dias eles injetaram mais de 7.000 trabalhadores", afirma Valdevan.

Hosogi nega fraude e diz que o sindicato representa cerca de 37 mil motoristas, cobradores e pessoal de manutenção, mas que só 23 mil trabalhadores associados há mais de seis meses, além de 6.000 aposentados, têm direito a voto.

Ele afirma que a oposição entrou com 14 pedidos na Justiça do Trabalho para tentar barrar a eleição, mas todas as liminares foram negadas.

"Questionaram até por eu ser japonês, mas sou casado com uma cearense. Sou mais brasileiro que muita gente."

Hosogi diz que convidou entidades como o Ministério Público e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para que a eleição fosse "mais transparente que tudo".

Em nota, o Ministério Público do Trabalho disse que convocou as duas partes para uma reunião de conciliação ontem, mas ela acabou frustrada pois nenhum representante da situação apareceu.

Ainda ontem, o órgão disse que iria "apurar as denúncias de irregularidades no pleito". Após suspender a eleição, Hosogi disse que pretendia pedir ao Ministério Público do Trabalho para ser "avalista" do processo eleitoral.

Antes mesmo do confronto, a polícia já havia sido acionada para garantir a segurança das eleições.

Hosogi disse que pediu que a apuração dos votos, inicialmente marcada para o sábado, fosse feita "na Rota ou em outro batalhão da PM". "Não quero apurar no sindicato, vai que jogam uma bomba lá dentro", disse horas antes do confronto.

A PM havia dito que policiais estariam em todos os locais de votação e que a sede do sindicato seria policiada desde as 20h até o fim das eleições.

Sobre a apuração em um batalhão, a corporação informou que o pedido não chegou a ser oficializado, mas cogitava autorizar caso fosse necessário.

ALIADOS

Os sindicalistas que agora disputam o poder eram aliados pouco tempo atrás.

O principal articulador da chapa de oposição é Santiago, que liderou a maior greve de ônibus da história de São Paulo.

Ele era presidente do sindicato em 1992, quando os veículos ainda eram da CMTC (empresa municipal) e ficaram nove dias parados.

Após ficar alguns anos afastado, Santiago voltou ao sindicato em 2000. Ele ainda estava na presidência quando 19 integrantes da diretoria foram presos sob a acusação de crimes como enriquecimento ilícito e formação de quadrilha --negadas por todos.

Entre os presos na operação de 2003, além de Santiago, estavam Hosogi e Noventa.

Libertado, Hosogi assumiu o sindicato no ano seguinte por influência de Santiago, a quem chamava de "meu professor, meu padrinho".

Mas disputas internas acabaram com a aliança de décadas. O rompimento definitivo ocorreu na formação das chapas, há cinco meses.

"No passado esse sindicato era tratado como de criminosos. Aí resolvermos limpar, isolamos o pessoal ficha suja e por isso eles montaram a chapa", afirma Hosogi.

Já a oposição rebate e acusa o atual presidente de receber R$ 355 mil mensais de propina e ter patrimônio que totaliza R$ 16 milhões.

A disputa do sindicato também é alimentada pela UGT (União Geral dos Trabalhadores), central sindical que apoia a chapa de oposição e participou das manifestações bancando carros de som, camisetas e bonés.

Atualmente, o sindicato é filiado à Nova Central Sindical.

MORTES

Segundo investigações do Ministério Público, a disputa pelo poder no sindicato causou a morte de ao menos 16 pessoas em 20 anos.

Dos 19 denunciados pelo Ministério Público Federal em 2003, dois morreram antes de o caso ser julgado.

A sentença desse caso saiu no ano passado, mas os réus tiveram a punibilidade extinta pelo juiz federal Toru Yamamoto porque a maioria dos supostos crimes já havia prescrito.

A única acusação remanescente --de formação de quadrilha armada-- foi encaminhada para a Justiça estadual no fim do ano e ainda aguarda julgamento.

Yamamoto, o mesmo que concedeu liberdade para parte dos acusados em 2003, entendeu que o assunto não era mais de sua competência --tese contestada pela Procuradoria no processo.

Colaborou FELIPE SOUZA


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