Folha de S. Paulo


Opinião: Manifestações expõem o fato de que o poder não muda

As manifestações do mês passado foram de lavar a alma. Em 2007, tentou-se fazer coisa parecida. Mas quem se lembra do movimento "Cansei"? Não deu certo. Estava excessivamente identificado com o antilulismo, a Fiesp, o "andar de cima", enfim.

Silenciou-se, agora, a versão de que toda crítica ao PT era coisa da direita golpista. Se as críticas à corrupção e ao péssimo estado dos serviços públicos cresceram agora --e pouco se falou contra desemprego ou carestia--, isso talvez seja consequência dos próprios ganhos sociais acumulados na última década.

Garantido um maior acesso aos bens de consumo, chega a hora em que o cidadão menos rico também diz "cansei". Compra um computador, e aquilo bem ou mal funciona. Mas o ônibus não funciona, nem a escola nem o posto de saúde.

A "nova classe C" chegou provavelmente a seu teto de consumo, e não lhe sobram tantos recursos para migrar de vez para o mundo da escola paga, do plano de saúde privado, da segurança particular.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

Isto posto, é certo que as manifestações de junho foram "multiclassistas". Havia a ultra-esquerda. Havia uma classe média que, decepcionada com os seus tucanos e com os seus Demóstenes, resolveu fazer oposição com as próprias mãos. Havia uma massa estudantil que já não é tão elitizada, graças às cotas e ao ProUni.

Havia uma juventude de periferia para quem os males do Estado não se localizam em Dilma ou Renan, mas numa PM que prende, achaca e barbariza. Havia os descontentes com uma PM que não prende e com uma Justiça que prende menos ainda.

No meio desses dois extremos, a maioria só se mobilizou de fato quando entrou em cena o direito democrático de protestar sem ser espancado pela polícia.

Uma escolha foi feita entre duas fotos terríveis: a do policial quase linchado e a do outro, batendo no casal que tinha entrado numa cafeteria.

Ninguém estava a favor do vandalismo. Mas estava menos ainda a favor da baderna policial. A questão da PM é o grande tema ainda a ser tratado, com reforma política, transportes, educação.

Com isso, as circunstâncias fizeram com que Alckmin e Haddad, PSDB e PT estivessem "objetivamente" do mesmo lado. A saber, do lado direito do Sena, em Paris. Primeiro as planilhas, depois o cassetete.

O fato de que o poder não muda, de que Haddad se alia a Maluf enquanto a cura gay foi ideia de um tucano, foi exposto.

Não é só no Brasil que as máscaras da política vão caindo. Outras, com o "V" de Vingança, correm o mundo. Ainda que eu não me sinta confortável com o que pode vir daí, pessoalmente me senti vingado também.


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