Folha de S. Paulo


Após confronto, moradores do Leblon querem que Cabral deixe o bairro

No dia seguinte ao confronto entre policiais militares e manifestantes que protestavam em frente à casa do governador do Rio, no Leblon, zona sul carioca, moradores locais organizam nesta sexta-feira um abaixo assinado para que Sérgio Cabral (PMDB) deixe o bairro. A ideia é que ele mude para o Palácio Laranjeiras, também na zona sul.

"Esses tumultos estão se tornando frequentes. A maioria não é contra as manifestações, mas nós somos contra o governador morar aqui em vez de morar no Palácio Laranjeiras e com isso trazer os manifestantes pra cá", disse a psicóloga Cyntia Clark, 60, moradora de um prédio vizinho ao do governador.

Os moradores se queixam do barulho e da interdição constante da rua Aristídes Espínola - onde mora Cabral - há cerca de três semanas, desde o início das manifestações. Nesta sexta-feira, no entanto, a via estava livre pela manhã. Apenas o policiamento havia sido reforçado.

Cerca de 40 policiais do Batalhão do Leblon estavam parados com sete carros na rua.

Há 30 anos no Leblon, a moradora Maria Amélia Silva Pinto, 70, disse que ainda estava assustada com o tumulto de ontem. "Estava vendo televisão quando de repente ouvi um estrondo. corri para apagar as luzes e me proteger. Foi um susto muito grande, uma situação desagradável. Só consegui dormir por volta de 1h30 da manhã", disse.

MANIFESTANTE ROUBADO

Durante o confronto entre policiais e manifestantes pelas ruas do Leblon, na noite desta quinta-feira, uma ação isolada chamou a atenção dos frequentadores do restaurante Veloso, também no Leblon.

Dois homens em uma moto perseguiram dois jovens, ambos de 18 anos, que participavam do protesto. De acordo com testemunhas do restaurante ouvidas pela Folha, os garotos foram perseguidos pela moto que seguiu até mesmo pela calçada da Aristides Espínola, no quarteirão ao lado, onde mora o governador Sérgio Cabral.

Ao descer da moto, um dos homens roubou a câmera profissional, modelo Canon 7D, que um dos manifestantes carregava. Na delegacia, a vítima afirmou em depoimento que o equipamento teria sido roubado por Eduardo Oliveira, o porta-voz do grupo de manifestantes que encontrou o governador Sérgio Cabral na semana passada, em reunião no Palácio Guanabara.

Ao ser questionado sobre o episódio pela Folha, por telefone, Eduardo primeiro perguntou quem havia passado a informação sobre o roubo. Num segundo momento, ele negou participação na ação contra os dois estudantes, moradores da zona sul. Eduardo esteve na manifestação desta quinta-feira e chegou a ser hostilizado por uma parte dos manifestantes insatisfeitos com o grupo formado por ele para negociar com Cabral.

De acordo com Décio Alonso, promotor de Justiça da Auditoria Militar, a confusão começou quando um grupo de manifestantes começou a pressionar a linha de policiais, formada no início da rua Aristides Espínola para impedir o acesso ao prédio do governador. "Eu vi o momento em que atiraram pedras nos policiais, dois deles ficaram feridos. E a partir daí começou um tumulto lamentável."

PROTESTO MIGRA PARA BAR

A reação dos policiais transformou a avenida Delfim Moreira num espaço encoberto por uma densa fumaça branca. Policiais lançaram bombas de gás lacrimogêneo em todas as direções da praia. E seguiram numa ofensiva para capturar os manifestantes.

Um deles foi preso na areia, próximo ao posto 12, no fim da praia do Leblon. Já outros manifestantes acabaram detidos próximos ao posto 10, já em Ipanema, como registrou o fotógrafo Daniel Marenco, da Folha.

A busca policial pelas areias do Leblon acabou encerrando a noite de um rapaz que participava de um luau com alguns amigos. Ao ser revistado, a polícia encontrou maconha no bolso do garoto. Acabou levado para a 14ª DP, no Leblon, com outras pessoas detidas durante o protesto.

A sequência de bombas lançadas na praia do Leblon alterou a rotina na badalada noite do bairro. No restaurante Gula-Gula, situado a um quarteirão do local do confronto, muitos frequentadores foram embora. O mesmo aconteceu na pizzaria Guanabara, na rua Aristides Espínola, a dois quarteirões da praia.

"A casa estava cheia. Mas 70% dos clientes foram embora quando o barulho começou. Deu para ouvir daqui", disse Antoniio Vilar, gerente da pizzaria.

CABRAL

Em nota, o governador do Rio disse lamentar que "entre os manifestantes próximos à minha casa, tivesse gente jogando pedra com interesse de conflito".

"A PM esteve presente e se comportou de forma pacífica para garantir a manifestação. Somente agiu depois que as agressões se tornaram insustentáveis, sob risco de depredação de portarias, prédios, automóveis, e risco de pedradas em pessoas, por parte daqueles que estavam dentro da manifestação com esse intuito", afirmou Cabral.

PROTESTO

Os manifestantes começaram o protesto por volta das 18h. Muitos deles usam guardanapos amarrados na cabeça, em referência às imagens de um jantar em Paris, do qual o governador participou ao lado do empresário Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta.

Gritando palavras de ordem como "não quero estádio, Copa do Mundo, quero cadeia para governo vagabundo", "é muita hipocrisia, não jogam bomba onde mora a burguesia" e "Cabral é ditador", além de vários xingamentos contra o governador e o prefeito Eduardo Paes, o grupo fechou a avenida Delfim Moreira, na orla do bairro.

Na madrugada de terça-feira (2), o grupo de manifestantes que havia onze dias acampava na esquina da casa do governador Sérgio Cabral foi expulso do local pela Polícia Militar. O protesto de hoje foi marcado como uma reação à retirada do grupo.

CONFRONTO

O conflito teria começado quando um PM foi atingido por uma pedrada. Policiais do Batalhão de Choque começaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo e atirar com balas de borracha.

Um ônibus que passava pela avenida Delfim Moreira foi atingido por uma das bombas. Os passageiros desceram e começaram a correr pela pista, misturando-se aos manifestantes.

Vários manifestantes foram detidos nas areias da praia do Leblon. Eles tiveram que deitar, com o rosto na areia, para serem revistados pelos policiais.

Outro grupo correu para as ruas internas do Leblon. Assustados com a confusão, frequentadores que estavam no restaurante Gula Gula, em uma esquina próxima, saíram correndo do restaurante.

O grupo se concentrou em um trecho da avenida Ataulfo de Paiva, em frente ao bar Jobi, um tradicional ponto da boêmia carioca.

Depois de dispersados pela policia, os manifestantes se reagruparam em outra esquina do Leblon, em frente a tradicional pizzaria Guanabara, a duas quadras da casa do governador. No local, cerca de 100 pessoas gritam palavras de ordem como "amanhã vai ser maior".


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