Folha de S. Paulo


Indústria de gás lacrimogêneo e bala de borracha 'bomba' no mercado

Protestos e manifestações de rua em todo o mundo nos últimos meses, como as que o Brasil continua vivenciando, alavancaram a indústria de armas "não letais" como gás lacrimogêneo e balas de borracha. O mercado de segurança pública está crescendo. Um bom indicador é o número de empresas que participam de feiras na área, como a mais importante delas, a Milipol, que deverá acontecer em Paris em novembro próximo.

Na Milipol 2011 participaram 887 empresas, de 47 países, e a feira teve 27.250 visitantes, a maioria pessoal de empresas ou de forças de segurança e policiais. Não costuma haver acesso ao público em geral neste tipo de evento. Para a Milipol 2013 já estão inscritas mais de mil empresas expositoras, e os organizadores estimam que o número de visitantes passará facilmente dos 30 mil.

E no Oriente Médio e suas "primaveras", desde 2010, o mercado de segurança aumentou, em média, em 18% (algo como R$ 17 bilhões em 2012), segundo estatísticas divulgadas por institutos de pesquisa.

Entre as empresas na próxima Milipol estará uma brasileira que está rapidamente se tornando uma líder mundial do mercado, a Condor. O crescimento de vendas da empresa atraiu a atenção de uma pesquisadora especializada na área de "controle de distúrbios" e armas "menos letais" (expressão que ela prefere), Anna Feigenbaum, da Universidade Bournemouth, Reino Unido.

"Em anos recentes a Condor teve um aumento de 33% nas receitas através de uma nova estratégia de marketing utilizando ferramentas de comunicação e participação em feiras de negócios. Com essas iniciativas, a diretoria de marketing indicou um aumento médio de vendas de 90% e aumentou as vendas de 12 para 38 países, com novos mercados na Ásia e África", disse Feigenbaum à Folha.

É possível dizer se as manifestações de agora no Brasil e no exterior já geraram novas encomendas de governos ou reduziram os estoques da Condor?

Segundo o diretor de marketing da Condor, Massilon Miranda, "os clientes de tecnologias não letais, polícias e forças armadas, principalmente, mantêm estoques regulares deste material e fazem as programações de aquisição com antecedência, fundamentadas por estudos de demanda justamente para que, em caso de necessidade, eles estejam disponíveis para consumo imediato, ao invés de depender de eventuais estoques disponíveis no fornecedor".

De acordo com Miranda, "a Condor não teve aumento significativo de vendas até o momento, motivo pelo qual não precisou reforçar a produção. No entanto, a empresa tem condições de aumentar sua capacidade produtiva conforme a demanda, desde que devidamente planejada".

A pesquisadora é extremamente crítica do uso desse tipo de armamento contra manifestantes. Até que ponto seria correto usar gás lacrimogêneo contra manifestantes?

"Antes desta questão ser debatida, é crucial ter mais informação. Como podemos julgar a força de uma arma sobre a qual o público sabe tão pouco? Estudos em importantes revistas científicas - como o "British Medical Journal", o "Journal of the American Medical Association" e o "Bulletin of the Atomic Scientists" - concluem que mais pesquisa deve ser feita sobre os efeitos na saúde do gás lacrimogêneo", diz a pesquisadora.

"Em segundo lugar, para responder a essa questão nós precisamos pensar em que tipo de mundo nós queremos viver. Gás lacrimogêneo está sendo usado contra a reunião pública de manifestantes para reprimir direitos democráticos de expressão", fulmina Feigenbaum.

Miranda contesta essa visão extrema: "se imaginarmos, por um momento, que os não letais não existissem, a polícia só teria duas opções para lidar com manifestações violentas, em que a vida, a integridade física ou o patrimônio público ou de terceiros estivessem ameaçados: não fazer nada e assistir à barbárie que vimos no Brasil nas recentes manifestações, oriunda de pequenos grupos de criminosos infiltrados nos movimentos sociais, ou usar armas e munições letais, cobrando vidas dos próprios criminosos ou de pessoas inocentes presentes no teatro operacional. Inaceitável, nos dois casos".

Para ele, as tecnologias não letais e o conceito do uso gradual e proporcional da força preenchem a lacuna entre essas duas opções, "reduzindo a espiral de violência".

Resta saber se as polícias militares brasileiras têm usado sabiamente esse armamento.

"Várias autoridades já admitiram publicamente que podem ter havido excessos e que os mesmos serão investigados e os responsáveis punidos. De forma geral, no entanto, existem muitos exemplos positivos nos quais as tecnologias não letais têm sido usadas de forma adequada nos últimos anos. Os não letais vêm salvando muitas vidas, evitando que episódios como Carandiru ou Eldorado dos Carajás voltem a acontecer", conclui Miranda.


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