Folha de S. Paulo


O PM me disse: 'Você vai pagar pelos outros', diz estudante preso

"'Você vai pagar pelos outros', disse o policial, quando me levava, com outros manifestantes, para a delegacia. Eu não entendia direito, mas fui. Até então, achava que ia ser uma coisa rápida. Não foi."

Ao todo, foram três noites entre delegacias, camburões e o presídio de Tremembé, onde estão encarcerados Alexandre Nardoni e os irmãos Cravinhos. Júlio Henrique Camargo foi um dos 19 manifestantes presos pela polícia na noite de terça-feira passada (11), quando a avenida Paulista presenciou mais uma noite de confrontos entre policiais e milhares de pessoas que protestavam contra o aumento das tarifas de ônibus, metrô e trens.

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Naquela noite, várias cenas de vandalismo foram registradas. Júlio, porém, nega fazer parte dessa turma. "Quem quebrava eram os outros, uma turma mais jovem", diz o rapaz de 21 anos, até aquele dia sem antecedentes criminais ou problemas com a justiça.

A manifestação estava mesmo violenta, admite o rapaz. Por isso, ele e uma conhecida resolveram se afastar. Foram comer e, ao voltar à Paulista, encontraram ao menos 12 policias da Rocam. Eles sacaram as armas, prenderam os dois e outros manifestantes que estavam próximos.

Foram levados ao 78º DP (Jardins). Foi indiciado sob acusação de formação de quadrilha e dano ao patrimônio. Na quarta-feira (12), a Secretaria de Estado da Segurança Publica afirmou, sem citar nomes, que 11 das 19 pessoas presas eram acusadas de depredar uma guarita da PM na região da Paulista. Júlio nega.

Joel Silva/Folhapress
O estudante Júlio Henrique Cardial Camargo foi preso na terça-feira durante o protesto e obrigado a raspar a cabeça no CDP
O estudante Júlio Henrique Camargo foi preso na terça-feira durante o protesto e obrigado a raspar a cabeça no CDP

Segundo Júlio, o clima na delegacia era tenso. "Eles não deixaram ligar para a minha família e isso me angustiava. Eu sabia que minha mãe devia estar nervosa." Já na cela, um investigador, "um pouco mais humano", ligou para sua mãe, Maria Cecilia.

Ainda sem comer, foi levado no outro dia, algemado e em um camburão, para o IML (Instituto Médico Legal). Na sequência, de novo as algemas e o camburão, rumo ao 2º DP (Bom Retiro). Foi lá que o até então cabeludo Júlio teve de raspar a cabeça. "Sofri todo tipo de humilhação. Me chamavam de vagabundo o tempo inteiro".

Ficou numa cela com dez presos, onde só cabiam seis pessoas por quase quatro horas. Estava com o jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, também detido na manifestação, e outros oito 'presos comuns'.

"Reclamava que estava com muita fome, mas ninguém ligava. Fui chamado de inimigo número 1 do Estado".

De lá, ele e Pedro foram de novo levados ao camburão, sem saber qual seria o destino. "Quando perguntei, falaram que íamos 'para Rondônia, de férias'. Estávamos em quatro dentro do camburão e um policial falava: 'vocês vão se ferrar! Nunca mais vão fazer uma manifestação'. Tinha medo, muito medo. Não tinha controle algum da minha vida".

Júlio disse que só comeu por volta das 21h da quarta. Em Tremembé, disse que foi bem tratado. "Talvez porque lá tenha gente famosa", ironiza. Passou duas noites. Soube da mãe graças à ajuda de um funcionário.

Foi solto na noite de sexta-feira (14) após um habeas corpus, mas ainda vai responder a inquérito. "Agora, minha prioridade é provar minha inocência. Provar que não havia razão para eu ser preso".

Não era a primeira vez que Júlio participava das manifestações, embora diga não ter ligações com o Movimento Passe Livre, organizador dos protestos, ou com partidos políticos. "Sou do movimento estudantil", afirma ele, aluno de ciências sociais da Unesp de Araraquara.

Júlio não vai participar das próximas manifestações, já que está em liberdade condicional e com restrições de horário.

"Mas não me arrependo nem um pouco. É uma luta extremamente legítima".

OUTRO LADO

A assessoria de imprensa da Segurança Pública informou que o delegado Kleber Antonio Torquato Altale, da Delegacia Seccional Centro, está a disposição para ouvir o estudante. Segundo a secretaria, um procedimento poderá ser aberto para investigar as denúncias feitas pelo estudante.

Disse ainda que o boletim de ocorrência registrado no dia 11 de junho aponta que Júlio e outras dez pessoas foram acusadas de destruírem e incendiar uma guarita da PM.


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