Folha de S. Paulo


Análise: Não há vencedores políticos da batalha campal de São Paulo

Não há vencedores políticos da batalha campal que São Paulo viveu na noite de quinta-feira, entre a Polícia Militar e manifestantes contra o aumento das tarifas de transporte público --que fez vítimas também jornalistas e pessoas que não participavam dos protestos.

O governador Geraldo Alckmin mostrou descolamento da realidade ao comentar em tempo real nas redes sociais, enquanto a bala de borracha comia solta nas ruas, platitudes como o aniversário de Guaratinguetá e a efeméride do aniversário de José Bonifácio, que o levou a se mudar com parte do secretariado para Santos num dia que já se sabia que seria tenso.

Mais: sustentou o discurso da manutenção da ordem, que era válido para o que se viu na terça-feira, enquanto todas as TVs mostravam ao vivo excessos da polícia subordinada a ele, inclusive com cenas de evidente abuso contra profissionais de imprensa e transeuntes.

O prefeito Fernando Haddad, do PT, que teve um arroubo de subir num carro de som em abril durante um protesto por moradia, desta vez se queimou com os chamados movimentos populares, uma das vigas-mestras da política petista. Adotou, primeiramente, um discurso favorável à ação da polícia e refratário à negociação para, só depois das cenas de violência explícita da PM na noite de quinta, tentar, de maneira algo oportunista, se descolar do governo do Estado e criticar a ação da tropa.

Haddad usou, enquanto foi conveniente, o anteparo do governo do Estado, responsável pelo policiamento, e criticou o "vandalismo'', num discurso muito próximo ao do próprio Geraldo Alckmin, com quem esteve em Paris nos primeiros dias da manifestação.

Mesmo na quinta, enquanto os manifestantes estavam contidos pela Tropa de Choque em frente ao Municipal, Haddad observava da janela os acontecimentos, e seu auxiliares ainda mantinham o discurso de que não haveria negociação enquanto durassem os protestos e que a PM estava agindo de forma correta. A guinada no discurso só veio quando já era evidente a irritação do eleitorado petista com o prefeito, eleito sob o signo da mudança.

O estrago, no entanto, já está feito: cartazes com a foto do prefeito e a corruptela "Malddad" no lugar de seu nome estampam vários dos cartazes pregados pelos manifestantes na cidade. Da mesma forma, o alinhamento que houve entre a prefeitura e o governo nos primeiros dias deve dar lugar a um "cada um por si'', em que Haddad e Alckmin tentem se esquivar dos inevitáveis estilhaços políticos à imagem de ambos.

Como se não bastassem os erros das autoridades de São Paulo, a ele se soma a maldisfarçada tentativa do ministro José Eduardo Cardozo, que nesta semana se lançou abertamente numa pré-candidatura ao governo paulista de surfar nas ondas sucessivas do protesto. Primeiro, disse que a Polícia Federal iria investigar abusos, como a se sobrepor à atribuição da PM. Depois, foi o primeiro a criticar os abusos na noite de quinta.

O vaivém do comportamento das autoridades mostra que, antes de buscarem uma atuação conjunta para resolver o impasse com os manifestantes, estão preocupados em tirar algum lucro político de um movimento que, não há mais dúvida, vai se prolongar, com desfecho e consequências ainda imprevisíveis.

Que Brasília não pense que passará ao largo da insatisfação expressa nas ruas não só de São Paulo como de outras capitais: no fundo, a revolta com a alta das tarifas é apenas a ponta visível de uma insatisfação com a alta do custo de vida, na contramão de serviços cada vez mais deficitários. Dilma Rousseff também tem razões para colocar as barbas de molho com a versão brasileira do "Occupy''.


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