Folha de S. Paulo


Análise: Lei impõe limites, mas não ensina a coexistir

Do ponto de vista constitucional, o que está acontecendo é um conflito entre três direitos: o dos manifestantes de se manifestarem, o dos não manifestantes de irem e virem e o do poder público de gerenciar o bem-estar da sociedade como um todo.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição. Mas não há direito sem obrigações ou limites.

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No caso das manifestações, o limite é que a liberdade de expressão de uma parte não deve ofender o direito da outra de ir e vir, ou do poder público gerenciar as vias urbanas, a segurança pública ou os bens públicos e privados. E é aí que está o problema.

Quando a manifestação vira um protesto, e o protesto vira um empecilho ao resto da sociedade, ela passa a ofender o direito alheio.

Daí porque os municípios podem (e devem) gerenciar como essas manifestações são feitas, quando são feitas, como devem ser feitas etc.

Do ponto de vista puramente jurídico, não é diferente das restrições impostas às marchas religiosas ou às paradas LGBT: o governo não está tolhendo a liberdade de expressão, mas apenas tentando garantir que o direito de alguns não invada o dos demais.

Mas há dois pontos importantes para considerarmos.

Primeiro, qual é o limite dos limites que o governo pode impor, especialmente quando ele é alvo do ato?

Na dúvida, uma boa regra é ponderar se as mesmas limitações são ou seriam impostas quando a manifestação é em relação a algo que o governo apoia.

Segundo, o principal motivo de um protesto não é manifestarmo-nos contra ou a favor de algo. Isso podemos fazer por meio do voto, conversando com amigos, postando nas redes sociais. O principal motivo de um protesto é chamar a atenção para algo.

Ambas são facetas da liberdade de expressão, mas são coisas distintas.

Mas se um protesto passa a ser tão "esterilizado" que ele acaba não tendo qualquer capacidade de chamar a atenção, não estaríamos tolhendo a liberdade de expressão?

Nossa lei coloca alguns limites a todos, mas isso não significa que ela nos ensine a coexistir. Coexistência se aprende com a prática e autocontrole. Sem precisar apelar para o limite da lei.

GUSTAVO ROMANO é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e responsável pelo site direito.folha.com.br


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