Folha de S. Paulo


Dívidas e recaídas são casos comuns entre os internos

"Já fui internado 28 vezes", conta em tom de voz baixo José Élio de Souza Lima, 49.

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Seu Élio, como é chamado pelos outros "alunos", está há um ano na Conquista.

Quando estava perto de completar os nove meses de tratamento, saiu para visitar a família e recaiu. Teve que recomeçar na clínica do zero.

"Passei a usar drogas com 13 anos. Maconha, cogumelo, dois tipos de LSD, comprimidos e bebida. Depois veio a cocaína, o speed, a heroína e o crack. Há três anos, conheci a cocaína peruana", relata.

Por causa do vício, quase tudo o que tinha ele já "fumou" -a expressão é usada pelos viciados para falar dos pertences que venderam para poder comprar as drogas.

"Perdi uma loja de agasalhos infantis, um salão de cabeleireiro, uma oficina que meu pai me deu", diz.

Na casa que mantém em Barueri (Grande SP) sobrou apenas uma rede para dormir. Todo o resto ele vendeu.

A história é comum.

O projetista G.H, 30, loiro, olhos azuis e pinta de surfista/skatista, nunca vendeu nada de dentro do apartamento de classe média dos pais, na zona leste de São Paulo.

Mas por causa do vício em mesclado (mistura de maconha com crack), já entregou o próprio carro a traficantes, em troca de dois pinos de droga.

Pediu para que os homens sumissem com o veículo e, no dia seguinte, procurou uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência por furto. "Fumou" todo o dinheiro recebido pelo seguro do carro.

Há ainda os que fizeram dívidas altas no banco para poder manter o vício. O funcionário público Lucas Nunes, 33, pela segunda vez na Conquista, desta vez há quatro meses, descobriu há pouco tempo que os empréstimos que fez somam R$ 40 mil.

"Tinha decaído demais, estava morando em um hotel na rua Amaral Gurgel [região central de São Paulo], R$ 30 a diária. Parei de ir ao trabalho, só ia pra pedir empréstimo no banco. Agora 'tô pagando.'"

O dinheiro todo serviu para comprar crack, a droga que era consumida pela maioria.

MACONHA

A exceção é W.J, 16, skate nos pés e boné do time de basquete americano Lakers na cabeça. Ele foi internado há dois meses na Conquista porque foi flagrado por um tio fumando maconha.
"Fumava uns cinco, seis baseados por dia", conta.

Casos como o dele não costumam ser aceitos na comunidade terapêutica.

Mas os psicólogos da Conquista decidiram acolhê-lo para tratar os problemas que o garoto tem com o padrasto -o menino diz que, após discutir e de ter sido agredido, tentou matá-lo. "Eu era muito revoltado", diz ele, que deve ficar mais quatro meses ali.

RECOMEÇO

O programa Recomeço, do governo de SP, vai financiar 3.000 vagas em instituições como comunidades terapêuticas e moradias assistidas a partir de agosto. Onze municípios do interior serão atendidos.

Nessas instituições, o tratamento custa menos do que em clínicas, pois não há serviço médico permanente. Por isso, só há internações voluntárias de pessoas sem patologias psiquiátricas, além do vício.


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