Folha de S. Paulo


Julgamento do Carandiru é suspenso e deve continuar amanhã

O julgamento do episódio conhecido como Massacre do Carandiru foi suspenso por volta das 18h40 pelo juiz José Augusto Marzagão. O magistrado disse que conversou com os jurados, quando chegaram à conclusão de que "pelo adiantado da hora, acharam por bem retornar a sessão amanhã, às 9h, com o interrogatório dos réus", disse.

Análise: Juiz deve zelar por isolamento de jurados em interrupção

A sessão, que ocorre no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, recomeçou com a leitura de peças do processo. Depois, foram exibidos dois vídeos levados pela defesa e pela acusação.

Durante a exibição das imagens, que durou cerca de uma hora, a sessão foi interrompida por quatro vezes, uma delas durou cerca de 40 minutos. O Tribunal de Justiça não soube informar os motivos dos intervalos.

O primeiro filme exibido foi do Ministério Público. Ele tinha cerca de 30 minutos de duração e mostrava trechos de reportagens da década de 80 até 2012. Foram mostrados episódios em que pessoas já rendidas foram mortas por policiais militares de São Paulo, como o caso Favela Naval, quando o conferente Mário José Josino, 30, foi morto durante uma blitz.

Por outro lado, a defesa dos réus exibiu o documentário "São Paulo sob Ataque", produzido pelo canal de TV Discovery Channel. O vídeo conta a história dos ataques da facção criminosa PCC a policiais militares em maio e agosto de 2006.

Em comum, os dois vídeo exibiram depoimentos de pessoas que perderam familiares nos episódios.

Ontem, o julgamento foi interrompido após um dos sete jurados sorteados para compor o Conselho de Sentença passar mal e só voltou por volta das 15h de hoje. O período foi estabelecido para que ele se recuperasse.

O Tribunal de Justiça chegou a levantar ontem a hipótese do julgamento ser cancelado. O jurado, então, passou por uma avaliação médica e foi liberado.

JULGAMENTO

Foram ouvidas seis testemunhas de defesa na terça-feira (16). Entre elas estava o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, que afirmou durante os 40 minutos de depoimento que "a ordem para a entrada [no presídio do Carandiru] foi absolutamente necessária e legítima, apesar de não ter ordenado a invasão.

Além de Fleury, foi ouvido também o ex-secretário de segurança de São Paulo Pedro Franco de Campos. Ele afirmou que "a necessidade de entrada da Polícia Militar na Casa de Detenção era absolutamente incontestável.

Campos disse que foi informado pelo coronel Ubiratan Guimarães de que era necessário invadir o pavilhão 9 do Complexo do Carandiru devido à rebelião que acontecia no local. Segundo ele, as autoridades temiam que o confronto entre presos se estendesse também para o pavilhão 8. "Havendo necessidade, o senhor está autorizado a entrar", disse ele ao coronel que comandou a invasão.

Foi ouvida ainda a juíza Sueli Zeraik Armani, convocada pela defesa para falar de rebeliões em presídios do Estado. O depoimento durou cerca de dez minutos.

Mais cedo foi ouvido o desembargador Luiz Augusto San Juan França, que afirmou ter havido confronto entre presos e policiais no dia da invasão. A afirmação contradiz as testemunhas ouvidas na segunda, que afirmavam ter havia agressão por parte dos PMs. "Na nossa sindicância, sei que havia policiais feridos, mas não me recordo se por arma de fogo", afirmou ele.

Já tinha sido ouvido ainda o desembargador Fernando Antonio Torres, juiz da Corregedoria dos presídios na época do massacre. Ele também voltou a dizer que houve ataque dos presos contra os PMs, mas destacou que houve excesso na ação da Polícia Militar durante a invasão do local.

Um dos juízes que participaram das reuniões que autorizaram a entrada da tropa, hoje o desembargador Ivo de Almeida, disse que não viu nenhum preso sendo executado pelos PMs durante o massacre de 1992, como afirmou na segunda-feira (15) o ex-diretor do Carandiru Moacir dos Santos.

Almeida afirmou ainda que a entrada da PM foi necessária porque a unidade estava fora de controle. "Nossa preocupação era manter a integridade física deles. Poderia haver uma carnificina lá dentro", disse.

No primeiro dia de júri, ocorrido na segunda-feira (15), foram ouvidas as cinco pessoas arroladas pela acusação. O último foi o perito criminal Osvaldo Negrini Neto que afirmou ter sido impedido de entrar na penitenciária após o crime e que quando conseguiu viu que a cena já tinha sido modificada.

"Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia. O local foi lavado, as celas já estavam reorganizadas. A única coisa que não conseguiram mudar foram os indícios de marcas de bala nas paredes das celas", disse o perito que apontou não haver evidência de que presos tenham atirado contra policiais.

Antes de Negrini Neto, foi ouvido o agente penitenciário Moacir dos Santos. Ele definiu o episódio como uma execução e disse ainda que mesmo após o Massacre, presos que já estavam no pátio, rendidos, nus, foram levados pela polícia de volta para o prédio para retirar corpos de mortos e acabaram fuzilados.

Antes dele, foram ouvido ainda três ex-detentos do Carandiru. Luiz Alexandre de Freitas disse ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. "Escondi debaixo dos mortos para não morrer também",

Outra testemunha foi Marco Antônio de Moura, que afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. "Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. "Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas", disse.

Editoria de Arte/Folhapress
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