Folha de S. Paulo


'Senti o sangue quente escorrer', diz sobrevivente do Carandiru

A terceira testemunha ouvida nesta segunda-feira no julgamento sobre o Massacre do Carandiru, o presidiário Luiz Alexandre de Freitas, diz ter sobrevivido porque se escondeu sob corpos. "Escondi debaixo dos mortos para não morrer também", disse ele, que foi chamado pela acusação para depor nesse primeiro dia de júri.

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A testemunha chegou à sala de audiências às 15h55 algemado, escoltado por dois policiais. A algema de um braço foi retirada, por orientação do juiz José Augusto Nardy Marzagão, para que a testemunha segurasse o microfone.

A história dessa testemunha foi retratada no filme Carandiru, de Hector Babenco, em que aparece sendo poupado porque um PM, que havia matado outros presos da cela, afirma que ele não morreria porque se parecia com o filho dele. O preso contou essa versão.

Disse ainda que ao deixar a cela, já na escada, pressentiu que iria morrer e, por isso, escondeu-se debaixo dos cadáveres. "Senti o sangue quente escorrer por minha orelha", disse.

Essa versão do preso foi contada com trechos de depoimento dada por ele anteriormente. Na sessão de hoje, Freitas apresentou muita dificuldade em sua dicção e, também, para falar de sua própria história. Explicou que seu estado de saúde está debilitado fruto de um HIV positivo e, também, de uma neurotoxoplasmose (infecção no cérebro que ocorre em pessoas de baixa imunidade).

Em seu depoimento, ao falar do policial que teria lhe poupado à vida, Freitas chegou a dizer que reconhecia o policial. Seria um japonês que em seu uniforme havia estrelas nos ombros, indicando ser um oficial. Disse que, inclusive, esse policial estava entre os 24 PMs que se sentam hoje no banco dos réus.

A testemunha então apontou Wlandekis Antonio Candido da Silva, que na época era sargento (que usa desenhos na manga --de três a cinco fios em formado de acento circunflexo), como sendo o policial que lhe poupou. O réu levantou a pedido do juiz, mas foi notado que ele não é japonês.

A advogada Ieda Ribeiro de Souza questionou a contradição entre o depoimento de Freitas e a aparência do PM apontado por ele."Para mim, ele é japonês", respondeu a testemunha.

TESTEMUNHAS

Antes de Freitas, dois ex-detentos do Carandiru também prestaram depoimento. Marco Antônio de Moura, afirmou que policiais atiraram em direção à cadeia de dentro de um helicóptero. "Tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".

Foi ouvido ainda o ex-detento, Antônio Carlos Dias, que disse acreditar que o número de mortos no massacre foi ao menos o dobro dos 111 divulgados oficialmente. "Só os corpos que vi saindo do segundo andar eram mais de cem pessoas. Esses 111 eram as pessoas que tinham família, que recebiam visitas", disse.

JURADOS

Os sete jurados que vão decidir o futuro dos PMs foram escolhidos no início da manhã. São seis homens e apenas uma mulher. Dos 26 réus, 24 estão presentes no julgamento. Na semana passada, quando o julgamento foi adiado, também faltaram dois.

Segundo o Datafolha, apenas 10% das pessoas acreditam que os policiais serão condenados e presos. Os dados são de uma pesquisa feita entre 4 e 5 de abril, com 1.072 entrevistados com mais de 16 anos. A margem de erro é de três pontos

Editoria de Arte/Folhapress
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