Folha de S. Paulo


'O tempo não para', diz mãe que perdeu filha no massacre do Realengo

Dois anos após perder a filha Luiza, 14, no massace da escola de Realengo, na zona norte do Rio, Adriana Silveira, 42, diz que o tempo não passou rápido para ela. Ela conta que transformou a sua dor em luta depois da filha e de outras 11 crianças terem sido mortas na escola municipal Tasso da Silveira pelo atirador Wellington de Oliveira, então com 23 anos.

"O tempo não passou rápido para mim. Eu ainda vivo aquele dia 7 de abril de 2011, até porque estou muito envolvida com as famílias e as crianças. Quando me dei conta de que já fazem dois anos, percebi que nem vi esse tempo passar. Você para no tempo mesmo", conta Adriana.

A mãe de uma das 12 vítimas criou a associação Anjos de Realengo três dias depois do massacre. "Um serve de muleta para o outro. Quando um está caído, o outro ajuda a se levantar. Somos 50 pessoas", explica a mãe.

Daniel Marenco/Folhapress
Adriana Silveira, mãe de Luiza, uma das 12 vítimas no massacre de Realengo
Adriana, mãe de Luiza, uma das 12 vítimas no massacre

Segundo ela, a associação começou com as famílias de "quem perdeu suas crianças" e logo recebeu a participação da famílias dos sobreviventes. Além dos 12 mortos, outras 12 pessoas ficaram feridas.

"Desde então eu não parei um só dia. Tinha que arrumar uma forma de continuar viva. Olhar para o que tinha acontecido seria muito difícil, eu não ia aguentar. Meu marido e meu pai infartaram na época da morte da Luiza. Eu levantava tendo que tocar uma associação, ir ao hospital ver meu marido e depois visitar meu pai em casa. Hoje, eles estão caminhando", relata.

Adriana conta que foi uma luta grande passar por todo esse sofrimento. "Só não desisti da vida por causa do meu outro filho, Carlos Roberto, hoje com 18 anos. Eu falei para ele: 'por tua irmã eu morri e por você eu vou ter que ressuscitar'."

ERROS

A presidente da associação conta que não aceita quando as autoridades dizem que "foi um louco que invadiu a escola e matou todo mundo".

"Aquelas crianças estavam no lugar certo, fazendo a coisa certa. As autoridades erraram com ele [o atirador, que sofreu bullying na infância], comigo e com as demais famílias. E continuam errando. Não houve mudança. Ele apertou o gatilho, mas as autoridades são as maiores culpadas."

Segundo ela, a reforma que fizeram na unidade após o crime não garantem a segurança dos alunos. "Fizeram uma reforma grande na escola, mas crianças morreram para o prédio estar daquele jeito hoje. O que mudou mesmo foi a minha vida, a de quem perdeu seus filhos."

Para ela, com um trabalho bem feito, é possível reduzir a violência e o bullying nas escolas. "Queremos fonoaudiólogos e psicólogos diariamente para identificar crianças com problemas, para encaminhá-las para tratamento médico antes que o mal cresça da forma que cresceu com a pessoa que tirou a vida da minha filha naquela escola."

Ela também sugere que um guarda municipal desarmado fique dentro de cada escola para que ele possa, por exemplo, "apartar uma briga entre alunos ou resolver pequenas desavenças".

ÚLTIMO DIA

Adriana conta que o dia do massacre seria o último da Luiza no colégio. Ela tinha repetido de ano e não queria mais continuar lá.

"Naquele dia, quando a acordei, senti algo muito ruim, tremi dos pés à cabeça, sem saber o porquê. Senti que ela não queria ir, mas disse: 'Filha, hoje vai ser seu último dia'."

Adriana conta que pediu para que a filha ligasse da escola para avisar quando visse a diretora. "Eu iria lá para conversar com ela. Bastava dar um toque que eu iria, nem precisava falar comigo. E o telefone tocou. Eram 8h16, mas ela estava ligando para pedir socorro. Saí de casa porque deduzi que era sobre a diretora", lamenta.

A mãe de Luiza diz que soube depois que quando ela tentava ligar para pedir socorro, Oliveira atirou nela. "No caminho, vi que as ruas estavam agitadas, tinha helicóptero voando. Perguntei a um conhecido o que estava acontecendo. Ele disse: 'Um louco entrou na escola e saiu matando todo mundo'."


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