Folha de S. Paulo


Sem família, morto em desabamento na Liberdade é enterrado

O auxiliar de limpeza Marco Antonio dos Santos, 51, morto anteontem em desabamento na avenida Liberdade, região central, foi enterrado na manhã de hoje (2). A cerimônia de Santos, que é orfão e não tem irmãos nem filhos, foi acompanhada apenas por colegas de trabalho, no cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo.

Mulher foi atingida por pedaço de parede 13 dias antes de acidente no centro de SP
Especialistas dizem que engenheiro e dono são responsáveis por desabamento em SP

Sem encontrar familiares, a empresa de informática onde ele trabalhava havia três meses arcou com os custos do enterro.

O auxiliar de limpeza morava sozinho em um pequeno quarto com cozinha de uma pensão no Paraíso, zona sul de São Paulo. Anteontem, passando mal, saiu mais cedo do trabalho. Morreu esmagado pela parede do prédio que ruiu na Liberdade. Carregava uma chave, o crachá da empresa onde trabalhava e R$ 0,50.

Santos veio adolescente de Sorocaba, conta Edileuza de Araujo, 43, dona da pensão onde ele morava por R$ 200 ao mês.

No pequeno cômodo da pensão, ele guardava brinquedos em miniatura e folhas que usava como diário. "Nunca mais vou sair na minha vida. Para mim, chega de sofrer", escreveu numa delas.

RISCO CONHECIDO

A Prefeitura de São Paulo conhecia havia dez dias os riscos da obra, que seria um estacionamento. "No dia 18, foi realizada uma vistoria no local, onde foi constatado o perigo de ruína da fachada do imóvel sobre a calçada e a rua", disse, em nota, a Subprefeitura da Sé.

Três dias antes da vistoria, um pedaço de concreto da mesma obra havia atingido uma pedestre. A administração municipal disse só ter sido informada do caso ontem. De acordo com a subprefeitura, o responsável pela obra foi "intimado, em caráter emergencial, a fazer o escoramento da parede (voltada para a avenida Liberdade)", sob pena de embargo.

No dia seguinte, os responsáveis protocolaram na prefeitura o início da obra de emergência. Assim, a gestão deu o caso como encerrado. O risco de acidente, então, ficaria a cargo do responsável técnico pela execução da obra, o engenheiro Carlos Eduardo de Oliveira, sócio da Construt Engenharia.

Oliveira prestou depoimento ontem à polícia e culpou a Sabesp pelo acidente fatal. Segundo ele, havia vazamentos no fundo do terreno. A informação foi repassada várias vezes, de forma oficial, à empresa de saneamento, disse o engenheiro.

A Sabesp, também por nota, diz que a relação entre um possível vazamento e a queda de uma das fachadas é "irresponsável" e "precipitada". A companhia afirma que todos os pedidos feitos pelo engenheiro eram para desobstrução de redes de esgoto, no que foi sempre atendido.

Tecnicamente, a obra não estava irregular. Conforme as leis municipais, principalmente o Código de Obras, o interessado pode começar uma obra por sua conta e risco, caso a administração municipal demore mais de 30 dias para emitir o alvará da obra. Foi o que aconteceu.

A prefeitura confirmou que, em novembro, houve um pedido dos responsáveis para movimentação de terra.

PERÍCIA

A Polícia Civil informou que só a perícia técnica poderá dar detalhes do acidente, mas tanto os técnicos da Defesa Civil quanto engenheiros afirmam que houve um erro técnico. As paredes não estariam corretamente escoradas e, por isso, uma delas caiu.

A fachada arruinada fica de frente para uma via por onde passam muitos ônibus, que causam trepidação. Como o prédio é antigo, de 1934, o tipo de amarração das paredes é diferente do que atualmente é feito. A retirada do teto do edifício, então, pode ter sido decisiva para o desabamento, segundo os técnicos.


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