Folha de S. Paulo


Kiss fez cadastro indevido para plano de prevenção de incêndio, diz conselho

Um parecer técnico do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) do Rio Grande do Sul afirma que a boate Kiss usou de maneira indevida um sistema simplificado de registro de planos de prevenção contra incêndio junto ao Corpo de Bombeiros do Estado.

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De acordo com o relatório, apresentado nesta segunda-feira (4), a direção da casa noturna obteve um alvará de prevenção, em 2009, não assinado por um profissional especificado como responsável técnico.

O parecer do conselho aponta ainda que um acúmulo de falhas contribuíram para o número de mortes --237 pessoas até agora.

A entidade diz que os donos da Kiss conseguiram o plano de prevenção ao usar uma ferramenta eletrônica chamada SIGPI (Sistema Integrado de Gestão da Prevenção de Incêndio), do Corpo de Bombeiros gaúcho.

Esse sistema gera um registro automático, que dispensa a ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) de um profissional habilitado, e é usado para pequenos estabelecimentos, de até 750 m2.

Segundo o Crea, o sistema agiliza a concessão de alvarás: o dono do comércio insere dados em um formulário, como metragem e características da edificação, e a ferramenta informa que obrigações o proprietário deve seguir, como número de extintores ou hidrantes.

A metragem da casa era inferior a 750 m2 (615 m2), mas a boate, pelo tipo de atividade, é enquadrada em uma categoria que torna obrigatória a apresentação de um plano de prevenção completo, segundo os engenheiros.

O parecer diz que os donos "provavelmente se aproveitaram da facilidade" desse mecanismo. O conselho de engenharia do RS é crítico desse sistema de registros e diz que cidades como Porto Alegre decidiram não utilizar esse modelo automático.

"É um sistema para pequenos negócios e atividades de baixo risco. Nesse caso, acabou sendo mal utilizado", disse ontem o engenheiro Luiz Carlos da Silva Filho, que coordenou o parecer.

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CINCO MINUTOS

Segundo o relatório, o Corpo de Bombeiros vistoriou o local em abril de 2011 e pediu correções. Três meses depois, fez nova visita e considerou os problemas resolvidos. Em 2012, a direção da casa pediu nova inspeção aos bombeiros, o que não ocorreu.

O Crea diz que, no dia do incêndio, a fumaça tóxica levou de quatro a cinco minutos para encobrir todo o ambiente da boate.

Entre as falhas listadas pelo estudo, estão a falta de iluminação das saídas no solo, o fato de os avisos indicativos terem ficado encobertos com a fumaça preta, a falha do extintor de incêndio e o despreparo dos funcionários para uma situação de emergência.

O parecer do Crea, feito para ajudar a embasar a investigação policial, também critica a fiscalização desses estabelecimentos e pede mais punições para empresas que descumprem as normas.

A Folha não conseguiu localizar representantes do Corpo de Bombeiros ontem para comentar o assunto. O advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, também não foi localizado.

Em vídeo exibido no "Fantástico", Spohr disse que, quando passou a ser sócio da boate, ela já estava em funcionamento com alvará dos bombeiros.

INCÊNDIO

O incêndio aconteceu na madrugada de domingo (27) na boate Kiss, localizada no centro de Santa Maria (RS). O local é famoso por receber estudantes universitários. Ao todo, 237 pessoas morreram e outras 97 permanecem internadas.

O fogo teria começado na espuma de isolamento acústico da boate, após um integrante da banda Gurizada Fandangueira manipular um sinalizador. Faíscas atingiram o teto e iniciou as chamas. O guitarrista da banda afirmou que o extintor de incêndio não funcionou.

Sobreviventes relataram que, antes de perceberem o incêndio, os seguranças teriam impedido os jovens de saírem sem pagar.

Editoria de Arte/Folhapress

A maioria das vítimas morreu por asfixia durante a festa promovida por alunos da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). Muitas foram encontradas amontoadas nos banheiros, por onde tentaram fugir do fogo.

No local, havia apenas uma uma porta, que funcionava como a única passagem de entrada e saída da boate. Bombeiros e sobreviventes quebraram a fachada da casa noturna a marretadas para retirar as pessoas.

A boate Kiss, com capacidade para até 691 pessoas, recebeu entre 900 e 1.000 no dia do incêndio, de acordo com a polícia.

A direção da boate Kiss divulgou nota afirmando que a casa estava dentro da normalidade e creditou o incêndio a uma "fatalidade".


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