Folha de S. Paulo


Popular bolovo entra na fritadeira dos chefs; Folha testa quatro receitas

Reza a lenda que um caminhão de carne moída fez uma curva acentuada e tombou na BR-3. Um outro com ovos cozidos não conseguiu desviar e tombou ali também. Um terceiro, com massa, chocou-se com os outros dois e espalhou toda a carga na pista.

Começaram então os saques, quando dona Ezi, proprietária de um bar, teve a ideia de fritar os "bolinhos de asfalto". A inveja fez com que a receita se espalhasse pelo país.

Apesar de divertida, a teoria dos humoristas do grupo Hermes e Renato para a origem do bolovo passa longe da realidade. O ovo cozido envolto em carne, empanado e frito não é exclusividade brasileira.

Ele tem versões na Índia (nargisi kofta, com cordeiro e molho de iogurte), nos Países Baixos (com diferentes nomes, pode vir com purê e molho de tomate) e na Indonésia (bakso, servido em caldo com macarrão). A mais popular vem do Reino Unido (scotch egg, com carne suína).

A autoria da receita é requisitada pelo empório britânico Fortnum & Mason, que diz ter criado o quitute para viajantes londrinos em 1738.

Em São Paulo, o bolovo, típico das estufas de botecos, entrou nas fritadeiras de chefs, com outras misturas de carne e gemas cremosas. Aqui, conheça o bocado, camada por camada.

A CARNE

Para embalar o ovo, a carne moída deve ter alto teor de gordura. "No Reino Unido, eles usam a sobra da linguiça, que costumam produzir em casa", conta Greigor Caisley, do 12 Burguer & Bistro, que usa barriga e pernil suínos moídos no restaurante.

Por aqui, é mais recorrente a carne bovina. Na receita de Gustavo Rozzino, do TonTon, que passou seis anos em Londres (e lembra saudoso da receita do The Harwood Arm, com carne de cerdo), ele combina pernil suíno e ponta de peito bovino. No bar Boca de Ouro, o bolovo leva acém ou paleta e é servido "levemente malpassado", diz o chef Alessandro Falerno.

Para temperar a carne, alguns cozinheiros defendem a dupla sal e pimenta, e só. Também pode haver pimenta caiena, páprica e sálvia. Em versão bem brasileira, cheiro-verde, coentro, cebola e alho. "E como não há sal no ovo, a carne precisa equilibrar isso", diz Ivan Achcar.

OS OVOS

Gema mole ou dura? É certo que há menos trabalho (e perdas) ao usar um ovo mais cozido, mas a gema cremosa dá graça extra ao bolovo.

Há algumas variantes que definem o ponto da gema: temperatura do ovo antes do preparo, o momento de colocá-lo na panela e o tempo de cozimento. Para tê-la cremosa, deixe o ovo em temperatura ambiente, aqueça a água, adicione o ovo e o mantenha por seis minutos na água em fervura branda. Ao retirar, mergulhe o ovo em água gelada, para interromper o cozimento. Descascá-lo sob a água facilita o trabalho.

Mas cremosidade não é obrigatória. No Reino Unido, onde é servido em piquenique, mais comum é a gema bem cozida. Por aqui, idem para a versão dos botecos. Esta, inclusive, serviu de bandeira para Ivan Achcar em seu extinto Alma Esquina. Veja aqui a receita do chef.

No bar do Luiz Fernandes, que fez fama com seus vários bolinhos, o ovo é de codorna e a gema, bem cozida.

A TÉCNICA

Os mais corajosos (ou profissionais) agarram uma bolota de carne, abrem um disco com as mãos e envolvem o ovo, pouco a pouco. Assim corre-se o risco, no entanto, de a camada ficar desigual (e do ovo não aguentar a pressão e estourar).

No bar Camden House, a chef Elisa Hill espalha a carne sobre papel-filme e assim faz uma camada mais fina e uniforme para cobrir o ovo. "Abrimos como uma massa de torta e resfriamos de novo por meia hora para a carne ficar mais firme."

Bolovo feito, passa-se a bolota por farinha de trigo, por ovo batido e por farinha panko (japonesa, mais grossa).

Com óleo em temperatura entre 150º C e 170º C, frita-se por um intervalo de três a cinco minutos –até que a superfície esteja dourada.

Um molho levemente apimentado ou uma maionese condimentada (com curry, por exemplo) pode acompanhar o bolinho, para chuchar no potinho a cada mordida. Além da cerveja, claro.

CRÍTICA
Veja a avaliação de quatro bolovos de SP, por Luiza Fecarotta

Camden House Ï
O QUÊ scotch egg com linguiça suína e ovo caipira (R$ 9)
PRIMEIRA IMPRESSÃO gema cremosa e empanado sequinho tinham tudo para coroar a boa ideia de envolver o ovo com linguiça; mas não funcionou: a carne foi servida crua e com pouco sal, faltou equilíbrio. Ponto para o atendimento, impecável, que trouxe um novo bolovo: estava melhor, mas sofreu do mesmo mal.
ONDE r. Manuel Guedes, 243, Itaim Bibi; tel. (11) 2369-0488

12 Burger & Bistro 
O QUÊ bolovo com carne suína e maionese de curry (R$ 12)
PRIMEIRA IMPRESSÃO nessa casa de bons hambúrgueres, o bolovo é envolto por uma camada fina demais de carne (mas úmida e intensa, deliciosamente condimentada), que não adere à superfície do ovo e desmilingue-se; gema tinindo, cremosa, e empanado crocante; maionese de curry, com personalidade, faz boa companhia.
ONDE r. Simão Álvares, 1.018, Pinheiros; tel. (11) 3562-7550

Bar do Luiz Fernandes   
O QUÊ carequinha, com ovo de codorna coberto por alheira e linguiça (R$ 4)
PRIMEIRA IMPRESSÃO nesta matriz na zona norte, onde a gente se sente num bairro do interior, eis um minibolovo viciante: ovo de codorna de gema dura (e o estigma da gema mole vai pro beleléu) é envolvido em uma cremosa massa de alheira e linguiça.
ONDE r. Augusto Tolle, 610, Mandaqui; tel. (11) 2976-3556

Bar Boca de Ouro
O QUÊ bolovo de carne bovina com molho rosé apimentado (R$ 11)
PRIMEIRA IMPRESSÃO num sobrado apertadinho –o que às vezes é charmoso, às vezes é incômodo (quando não há onde sentar no balcão)– uma camada de carne untuosa e corpulenta, bem avermelhada, envolve um ovo de gema cremosíssima; faz crac-crac para chegar a ela, depois de atravessar a superfície crocante, uma beleza.
ONDE r. Cônego Eugênio Leite, 1.121, Pinheiros; Tel. (11) 4371-3933


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