Folha de S. Paulo


De ar caipira, Mercado de Pinheiros se renova com curadoria de Alex Atala

No box 4, "seu" Adalberto Rabello, 69, vende farinha d'água, tapioca granulada, castanha de baru. Feijões, havia outros, "vários tipos sumiram", conta, lembrando do feijão-opaquinho, semelhante ao roxinho mineiro, comum antes de o carioquinha dominar o mercado.

O comerciante está no Mercado Municipal de Pinheiros desde 1971, quando o espaço foi aberto para abrigar os vendedores do Mercado dos Caipiras, fundado em 1910 no que hoje é um trecho da avenida Brigadeiro Faria Lima.

Ao longo desse tempo, seu Adalberto viu fornecedores "deixarem de trazer produto direto do mato". E ele segue a observar mudanças por ali -para além das melhorias arquitetônicas e das redes hidráulica e elétrica com investimento da prefeitura.

Alguns boxes antigos estão dando lugar a novas propostas. Nesta terça-feira (1º) foram abertos três espaços coordenados pelo Instituto Atá, do chef Alex Atala.

Em suas prateleiras, estão reunidos produtos de biomas brasileiros –comunidades adaptadas a condições ecológicas, com predomínio de um tipo de vegetação. São eles: cerrado, pampas, mata atlântica e Amazônia. Para o box deste último, foi firmada parceria com o Instituto Sócio Ambiental (ISA).

Serve de ilustração o espaço do pampa e das araucárias, que traz produtos como o mel branco de Cambará do Sul, arroz-cachinho de Sentinela do Sul e charque de Santana do Livramento. "Rodamos 4.000 km em uma expedição como a dos tropeiros, para 'colher' os produtos", diz Marcos Livi, curador.

Os produtores da rota do cambuci, empreendimento social coordenado pelo Instituto Auá, vão preencher as prateleiras do box da mata atlântica. Haverá, ao todo, 25 produtos de dez frutas nativas. Por exemplo, a cachaça curtida com cambuci, receita de 400 anos mantida tradicionalmente em grandes potes, enterrados por nove meses.

Para Beto Ricardo, sócio-fundador do ISA, o projeto "é uma oportunidade para a comercialização dos produtos da floresta de forma qualificada, com preço justo e respeitando as peculiaridades de cada região".

O VELHO E O NOVO

Alex Atala, Rodrigo Oliveira, Checho Gonzales: o mercado tem chamado a atenção dos chefs. Em 2012, começou a receber edições da feira gastronômica O Mercado.

Dois anos depois, Checho, um dos organizadores do evento, abriu sua Comedoria Gonzales, cuja matéria-prima vem do próprio mercado. "Ele começou a atrair outros públicos e impulsionar a revitalização do espaço, que estava tristinho", avalia Atala.

"A partir do momento em que se oferecem produtos de qualidade a preços acessíveis, o trânsito aumenta e a oferta dos permissionários melhora. Isso aconteceu, por exemplo, na peixaria [Nossa Senhora de Fátima, box 69]."

Se a chegada dos chefs traz uma insegurança natural aos permissionários mais antigos, também é vista de forma positiva. Para Rogério Lopes, 51, do Entreposto da Feijoada, a chegada de um público diferente agregou. "Não percebi uma fuga do tradicional, mas sim uma renovação. Agora cabe a nós termos uma percepção desse novo cliente."

Nos novos boxes, a ideia é que o Instituto Atá coloque em prática a proposta de ser um "facilitador da conexão de extremos da cadeia alimentar", aproximando produtos e consumidores.

"Estamos em um mercado popular e sonhamos em dar utilidade aos ingredientes. Isso é equivalente a estar na casa das pessoas", diz Atala.

Para os produtos dos novos boxes, não há uma política de preços, mas um discurso que leva em conta o preço justo, aquele "que remunera de forma digna os atores da cadeia produtiva".

"Temos que entender que, ao consumir, financiamos o modelo que está associado ao produto. Em relações meramente econômicas, perdemos a informação do ambiente, das pessoas e da cultura associada àquele produto", diz Luis Carrazza, da Central do Cerrado.

TEMPEROS E CARNES

Inspirada nas delicatessens nova-iorquinas a nova Delika passa a operar nos boxes 6 e 7 a partir de abril. Bresaola, presunto cozido, gravlax, pastrami serão feitos no espaço.

"Vamos ter um 'clube da charcutaria': as pessoas encomendam seu embutido com os ingredientes que quiserem, e nós vamos produzir e fazer a cura", conta Bruno Alves, do Kød Burger, à frente do projeto. A ideia é vender os ingredientes "no saquinho ou no pão", com sanduíches montados na hora.

Da loja antiga, Laticínios D'ouro, serão mantidos os potes de especiarias. "Teremos especiarias do mundo todo. Queremos ser curadores de temperos para as pessoas."

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VALE A VISITA
Confira algumas sugestões de compra no Mercado

O QUÊ catorze tipos de feijão, como fradinho, azuki, roxinho, jalo, rajado, vermelho, de corda, andú e moyashi
(de R$ 4 a R$ 18 o quilo)
ONDE Mercearia Grãos Integrais (boxes 4 e 5; tel. 11/3812-0553)

O QUÊ polvo português (R$ 79) e de Santa Catarina (R$ 59, o grande, acima de 2 quilos)
ONDE Peixaria Nossa Senhora de Fátima (box 69; tel. 11/3031-3837)

O QUÊ cortes de carne como braço (R$ 16,90 o quilo),
para picadinhos
ONDE Casa de Carnes GMS e Royal Meet Comercial Limitada (boxes 55 e 56, 57 e 58; tel. 11/3031-0419)

O QUÊ queijos e manteiga Roni a granel (R$ 22,50 o quilo)
ONDE Entreposto das Feijoadas (boxes 13 e 14; tel. 11/3812-1418)

O QUÊ rosbife com temperos marroquinos (R$ 9, 100 g)
ONDE futura Delika (funcionando parcialmente nos boxes 6 e 7; tel. 11/3032-3536)

O QUÊ óleo de babaçu (R$ 10, 150 ml), farinha de jatobá (R$ 10, 100 g) e castanha de baru (R$ 8, 100 g)
ONDE biomas cerrado e caatinga (box 27)

O QUÊ mel branco de Cambará do Sul (R$ 39 o quilo), queijo serrano (R$ 39 o quilo) e charque de Santana do Livramento (R$ 39 o quilo)
ONDE biomas pampas e das araucárias (box 26)

O QUÊ geleia de cambuci (R$ 15), tucupi (R$ 30 o quilo), pimenta baniwa (R$ 40), mel dos índios do Xingu (R$ 35,50)
ONDE biomas mata atlântica e Amazônia (boxes 16 e 17; tel. 11/3032-0875)

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RAIO-X
Mercado Municipal de Pinheiros

NASCIMENTO
Abriu em 1910, no que hoje é a avenida Brigadeiro Faria Lima e era conhecido como "Mercado dos Caipiras", com produtores do interior de SP

MUDANÇA
Em 1971, o mercado mudou para o endereço atual, com 3.034 m² e 77 boxes

VELHA GUARDA
Hoje são 40 boxes e apenas dois de 1971: Casa de Carnes e Mercearia Grãos Integrais

NOVA GUARDA
Em 2014, Checho Gonzales abriu uma cevicheria; em 2015, Rodrigo Oliveira abriu o Mocotó Café; neste ano, o Atá abriu boxes de produtos de diferentes biomas brasileiros

TRÂNSITO
800 pessoas passam por dia no mercado, durante a semana, segundo a prefeitura

ONDE FICA
rua Pedro Cristi, 89, Pinheiros (de seg. a sáb., das 8h às 18h)


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