Folha de S. Paulo


Gigetto, berço da 'cultura cantineira' de SP, fecha as portas no Bexiga

Magê Flores/Folhapress
O tradicional restaurante Gigetto, de portas fechadas neste mês
O tradicional restaurante Gigetto, de portas fechadas neste mês

Os portões, baixos, estão fechados. Assim como as portas e as janelas do casarão da década de 1920. Na varanda, há mesas e cadeiras ao relento. Mas nenhum recado avisa os clientes que o Gigetto voltará a operar.

Na vizinhança, ninguém sabe dizer o que acontecerá com a casa, considerada "o berço da cultura cantineira na cidade" e que funcionou até os primeiros dias deste ano.

Aberto pelo italiano João Henrique Lenci, o Gigetto vinha sendo administrado pela terceira geração da família –eles chegaram a abrir uma segunda unidade, em Moema, também já fechada. A empresária Ana Paula Lenci, uma das sócias, foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos telefonemas e mensagens.

À revista "Veja São Paulo", ela confirmou o fechamento do estabelecimento e disse estar em negociação para a reabertura da casa, sem previsão.

"Acho que se o restaurante fosse reabrir teriam colocado um cartaz na porta. Era uma casa importante", diz Vittorio Lorenti, um dos sócios da padaria Basilicata, fornecedora do Gigetto.

Nem ele nem funcionários foram avisados do fechamento.

Um segurança da rua contou que empregados foram ao local para retirar pertences que ficaram dentro do imóvel, mas "deram com a cara na porta".

Na cantina vizinha, a Roperto, garçons dão como certo o fechamento. "Meu tio trabalhou na casa por 35 anos. Há seis meses, eles não pagavam direito os funcionários", disse um deles. "Neste mês, ele apareceu para trabalhar e o restaurante estava fechado. Ninguém foi avisado."

A casa já não vinha bem. Segundo alguns clientes, desde que saiu da rua Avanhandava, na Bela Vista, e se mudou para o casarão do Bexiga, em setembro de 2013.

"Nos últimos tempos, o cliente pedia um vinho do cardápio e raramente o restaurante o tinha. Um funcionário vinha até aqui e comprava a garrafa para servir", contou um dos garçons da Roperto.

Para Josimar Melo, colunista da Folha, um dos problemas foi a mudança de endereço. "O Gigetto era um pequeno mito, e muita gente ia porque tinha pedido a mulher em casamento lá, por exemplo. Essa coisa simbólica se perdeu com a mudança do imóvel", diz.

"Lugares tradicionais têm que se atualizar. Mesmo que tenha a mesma cara e estilo, e um cardápio antigo, deve ter inovações. Hoje existem demandas diferentes, como por receitas mais leves."

Fabio Braga/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 20-07-2013: Cappelletti a romanesca do Restaurante Gigetto. Cantinas da cidade. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, COMIDA).
Cappelletti à romanesca com molho branco, presunto picado, ervilhas e champinhons, do Gigetto

TEMPOS DE GLÓRIA

O Gigetto, inaugurado em 1938, foi reduto de artistas e intelectuais. O restaurante, que funcionava madrugada adentro, ocupou nos primórdios um casarão na rua Nestor Pestana, a poucos passos do Teatro Cultura Artística, e notabilizou-se pelo clima festivo e informal.

Por obra de um jovem imigrante italiano, Giovanni Bruno (1935-2014), contratado em 1950, tornou-se berço da cultura cantineira.

Bruno chegou ao posto de garçom mais popular da casa e, quando deixou o emprego para abrir o próprio negócio, a extinta Cantina do Júlio, fez com que o modelo de serviço, cordial sem formalidades, gerasse uma linhagem de filhotes em São Paulo –só ele abriu cinco restaurantes.

É dado a ele, por exemplo, o crédito pela receita do cappelletti à romanesca, com molho branco, presunto picado, ervilhas e champignons. "Quando era garçom do Gigetto, um cliente assíduo comentou que havia provado uma receita parecida em Roma e resolvi arriscar", contou, em 2013, à Folha.

O prato de cappeletti era a receita mais simbólica do Gigetto.


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