Folha de S. Paulo


'Há que se comer animais criados de forma correta', diz chef açougueiro

Musuk Nolte
renzo garibaldiO açougueiro e cozinheiro peruano Renzo Garibaldi, no OssoMusuk Nolte
O açougueiro e cozinheiro peruano Renzo Garibaldi, no Osso

Renzo Garibaldi, 31, é um peruano bonachão, de boné e óculos de aro grosso, dono do Kobe, um buldogue.

Largou a cozinha do La Mar, de Gastón Acurio, em San Francisco, para trabalhar com o que mais gostava de comer: carne. E então comprou sua primeira vaca morta, de quase meia tonelada, por US$ 3.500, e levou uma semana para transformá-la em hambúrgueres, filés e afins.

Hoje, toca o Osso, que nasceu como açougue e faz as vezes de restaurante (34º na lista regional da revista "Restaurant"), em um bairro afastado do centro de Lima, no país que menos consome carne na América Latina.

Renzo é um militante da carne de animais sobre os quais se conhece a vida e a morte, usados em sua totalidade. "Alguém que tem fome abre a geladeira e come. Quem quer uma experiência, vai a um restaurante."

Uma de suas marcas é o steak tartare, com só quatro elementos (carne maturada, cebolinha, gema de ovo e sal) e para comer com as mãos.

Folha - Comer com as mãos é uma volta ao primitivo?
Renzo Garibaldi - Às vezes é preciso retirar as pessoas da zona de conforto. Quando você come com a mão, só pensa na comida.

Vamos parar de comer carne?
Acho isso complicado. Estou de acordo com muitas das crenças dos vegetarianos, os motivos pelos quais se deixa de comer carne. Mas o mundo não é tão preto e branco, há muito cinza. Há que se procurar qual carne comer, de animais criados e abatidos de forma correta.

O que é uma carne correta?
Um animal que tenha chegado a uma certa idade, tenha tido uma vida, tenha sido alimentado com pasto, que caminhou livremente -como era antes. Temos que nos afastar da industrialização.

Michael Pollan diz que a indústria alimentar nos distanciou da origem da comida.
Nos supermercados os açougueiros são uma pequena parte de um processo muito industrializado. Cortam "uma coisa", vendem "uma coisa". Não conhecem bem o animal. O açougueiro tem que saber cozinhar, tem que saber como a carne se comporta.

O ofício vai desaparecer?
Nos Estados Unidos, já desapareceu. Os americanos não iam ao açougue, nem ao verdureiro, nem ao fruteiro, iam apenas ao supermercado. Depois de muito tempo, percebemos que o estresse causa doença. Queremos diminuir o ritmo e voltamos a dar oportunidade ao ofício. Reaparecem açougueiros, padeiros, queijeiros.

E, com a volta desses ofícios, a matéria-prima passa a ser tratada melhor?
Muito melhor. E o cliente começa a ser tratado melhor também. A experiência de compra começa a mudar.

Você recebe o animal inteiro para fazer os cortes?
Compramos sempre os animais pela metade. Penduramos durante uma semana, dez dias, para depois desossar e maturar. O animal tem que secar um pouco, soltar água. As fibras também precisam de tempo, e não é rápido. E isso os supermercados não podem fazer porque têm de trabalhar com velocidade e volume.

Você só serve carne maturada. Quais os benefícios?
Com a maturação conseguimos três coisas: amaciar a carne, intensificar o sabor e suavizar a acidez.

É possível identificar a qualidade da carne pela aparência da gordura?
Quando você vê a gordura -cor, textura, cheiro-, sabe o que o animal comeu. Se é branca, comeu muitos grãos. Se é amarela, pasto, que tem clorofila e pinta a gordura.

E o que é bom?
Para mim, o meio. Uma carne que foi alimentada com pasto e terminada com grão. O pasto tem sabores de terra, de couro. A carne de um animal alimentado com grãos tem sabor de manteiga e de gordura.

Dario Cecchini faz o oposto do que faz a indústria: abate animais mais maduros, alimentados com pasto, feno e grãos. O que acha disso?
Não gosto de trabalhar com nenhuma carne muito jovem.

Como é servir carne no país que menos consome esse produtor na América Latina?
Fomos um pouco loucos, mas nos saímos bem. Era uma aposta arriscada, mas a cozinha peruana está em desenvolvimento, tudo o que alguém pode fazer é uma soma.


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