Folha de S. Paulo


Quais as vantagens e desvantagens de usar o micro-ondas para cozinhar?

Adão

Vale a pena investir R$ 600 em uma panela de pressão para micro-ondas? O intrigante lançamento do utensílio, por duas marcas, levou "Comida" à cozinha, para um teste, e a um debate com cientistas e chefs sobre os limites do uso desse eletrodoméstico tão popular quanto controverso.

O veredito do teste foi claro: não vale. Na panela da Tupperware, o feijão ficou esbranquiçado, o caldo, ralo. E surpreendente: o cozimento demorou mais do que no fogão. Leia sobre o teste aqui.

A empresa defende que o preparo é prático, já que não é preciso controlar a panela no fogo, apenas programar o tempo no aparelho. Além disso, justifica o preço pela "alta tecnologia" -que, afirma, faz com que suporte mais pressão do que a tradicional.

Na panela de pressão do micro-ondas, o feijão demorou 45 minutos para ficar pronto, 15 a mais do que o feito no fogão. Isso faz sentido?
"Do ponto de vista físico, não há por que existir uma panela de pressão para micro-ondas. A água aquece rapidamente, mas, a partir do momento que a receita está sob pressão, o método de cozimento é igual ao tradicional", diz Erick Bastos, do Instituto de Química da USP.

O aparelho pode ser uma alternativa para quem não quer ter fogão -caso de Filipe Soares, do canal Micro Sobrevivência, no YouTube, que ensina receitas no micro-ondas. Para ele, tudo pode ser preparado no aparelho. Além de feijão (feito em uma vasilha, em 30 minutos), já cozinhou macarrão à bolonhesa e até t-bone (carne com osso).

"Não precisa ter medo de testar. Comida pode ficar ruim feita de qualquer forma. O fogão não faz de ninguém um cozinheiro melhor", opina.

Para o pesquisador em gastronomia Pere Castells, que trabalha com o chef Ferran Adrià na Fundação El Bulli, o micro-ondas, "barato, rápido e limpo", ainda precisa de tempo para atingir "sua extraordinária aplicação". "Sou um defensor da cozinha tradicional. As receitas familiares ainda não são preparadas no micro-ondas, mas formas de cocção podem conviver", disse o espanhol à Folha. "Meu prognóstico é que, no futuro, haverá até restaurantes só com micro-ondas, mas isso já é falar muito."

Se o aparelho pode se tornar muleta para descongelamento rápido em alguns restaurantes, há chefs que já elaboraram receitas com ele.

No premiado restaurante espanhol El Bulli (fechado em 2011), de Adrià, um bolinho de pistache cozido em micro-ondas era servido com iogurte natural e raspas de limão.

Em São Paulo, no Tête à Tête, o chef Gabriel Mateuzzi o utiliza para fazer um biscoito servido com creme de laranja. "A base passa por um sifão [o mesmo do chantilly] e é cozida por cerca de um minuto. Fica como uma esponja, que depois desidratamos", diz. "Prefiro o fogo, mas é possível explorar resultados diferentes [no aparelho]."

Símbolo da comida rápida, ele já foi alvo de experiência do escritor Michael Pollan, estudioso da alimentação moderna, em seu "Cozinhar - Uma
História Natural da Transformação" (Ed. Intrínseca). Na "noite do micro-ondas", a família descongelou comida pronta no jantar. Como o espaço permite apenas um prato de cada vez, gastaram quase uma hora esquentando-os (e requentando-os).

"Assim que o primeiro prato ficou pronto, deu lugar ao segundo, mas, quando a quarta refeição estava quente o bastante para ser comida, a primeira já havia esfriado e precisava voltar ao micro-ondas", conta. "O advento certamente não contribuiu para um grande avanço das boas maneiras à mesa."

Segundo Pollan, a "noite do micro-ondas" foi uma experiência notavelmente individualista. "Algo muito parecido com a vida moderna."

VAI MAL

Aquece alimentos de forma não uniforme (por isso o prato giratório), o que impede o controle da cocção

Não funciona para refeições familiares, com grandes porções de comida

O ambiente úmido prejudica a crocância de alguns alimentos, como pães, que ficam murchos

Tempo e temperatura do micro-ondas não são suficientes para dar cor e bom sabor às carnes vermelhas

VAI BEM

Cozinha mais rapidamente alimentos que contém bastante água, como batatas e maçãs

Legumes como brócolis têm cor, textura e sabor mantidos e nutrientes preservados, como em cocção a vapor

Pode ser usado para desidratar fatias de presunto cru ou chips de legumes até que fiquem crocantes

Pode ser usado para proteínas como ovos (é importante furar a gema) e peixes


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