Folha de S. Paulo


Para sócio de Brad Pitt em vinícola, 'biodinâmica é como religião'

Divulgação/Divulgação
O produtor François Perrin, que toca o grupo Chateauneuf-du-Pape
O produtor François Perrin, que toca o grupo Chateauneuf-du-Pape

Quando Brad Pitt decidiu produzir vinhos no Château de Miraval, sua propriedade na Provence, França, o ator procurou a Família Perrin.

Ele sabia que o sobrenome seria garantia de respeito e que o trabalho da família resultaria em um vinho de caráter.

Produtores do Château de Beaucastel desde 1909, os Perrin são o grande nome de Chateauneuf-du-Pape, a apelação de origem mais famosa do Vale do Rhône.

Produzem ótimos vinhos também em outras apelações da região e em Paso Robles, na Califórnia, Estados Unidos, onde são sócios da vinícola Tablas Creek.

À frente do clã, os irmãos François e Jean-Pierre têm muito a ver com o destaque que o Rhône e seu estilo de vinho ganharam nos últimos tempos. Em 2014, ambos receberam o importante título de "Homem do Ano" da revista inglesa "Decanter".

François, o mais novo, aos 61 anos é quem toca o grupo no dia a dia. Ele está no Brasil para o World Wine Experience 2015, mostra de vinhos da importadora realizada em São Paulo e no Rio nesta semana, e falou à Folha:

Folha - Os vinhos do Vale do Rhône nunca estiveram tão em evidência quanto hoje. Por quê?
François Perrin - É um vinho de ótima relação entre qualidade e preço. A região é mais quente, produz vinhos mais potentes, do estilo que o americano gosta. E o público americano está mais familiarizado com o estilo de vinho do Rhône porque as variedades têm sido cada vez mais plantadas na Califórnia.

A sua família é um tanto responsável por essa onda de variedades do Rhône na Califórnia, não é?
Em 1990, compramos 65 hectares em Paso Robles, perto de Santa Barbara, onde plantamos clones de nossos vinhedos na França. Criamos, então, uma incubadora e começamos a vender mudas para outros produtores também. Quando chegamos, não tinha nenhum produtor de vinhos em Paso Robles. Hoje há vários.

Essa familiarização do público americano com as variedades do Rhône foi um passo calculado para popularizar o vinho da região?
De certa forma, sim, plantar essas uvas na Califórnia foi uma forma de explicarmos o Rhône para os americanos e para o mundo. Mas só fizemos isso porque o terroir ajudava. Além do solo, o clima é muito parecido: quente de dia e frio a noite.

Mas, até hoje, Paso Robles ainda não é muito conhecido fora dos EUA, é?
O mercado interno americano para vinhos é muito forte, 97% do que é produzido na Califórnia se consome por lá mesmo. Para nós, é ótimo. Você tem o consumidor na porta da sua vinícola. Não tem que se preocupar em exportar, essas coisas. Em Tablas Creek, recebemos cerca de 40 mil turistas por ano.

E no Château de Miraval, na Provence, onde sua família é sócia do casal de atores Brad Pitt e Angelina Jolie, os senhores recebem turistas?
Não dá, é impossível. O assédio é muito grande. A propriedade é cercada, tem seguranças.

Eles vão muito para lá?
Sim, quase todos os meses. O Brad é muito envolvido com a produção do vinho. Ele é apaixonado. Quer participar de todas as etapas. Ele é um bom bebedor e um aluno bastante aplicado. Ela também participa, mas menos.

Como surgiu a parceria?
O Brad já conhecia o Château de Beaucastel como consumidor e pediu a um amigo comum que nos apresentasse. Quando compraram o château, vieram perguntar se eu não queria ser consultor. Respondi que não faço consultoria, que toparia me tornar sócio. Eles aceitaram.

O senhor já tinha feitos vinhos na Provence?
Nunca. O rosé é incrível. Fazemos também um branco ótimo de rolle (vermentino), mas a produção é muito pequena. E estamos tentando fazer um tinto. O Brad quer muito fazer um tinto. Será um pinot noir.

A pinot noir é permitida na Provence? O vinho poderá usar a apelação de origem controlada (AOC) Côte de Provence?
Não. A pinot não é permitida. Mas poderá usar o nome Pitt-Jolie. Não precisa mais que isso.

O Château de Beaucastel é um dos pioneiros do movimento de vinhos orgânicos e biodinâmicos na França. Desde quando vocês abandonaram os aditivos químicos?
Meu pai percebeu muito cedo que os fertilizantes não valiam a pena. Nos anos 50, ele já estava se voltando para a agricultura orgânica e, nos anos 70, o Château de Beaucastel já era totalmente orgânico. Agora estamos caminhando para a biodinâmica.

Por quê?
As plantas são muito mais sensíveis do que os animais a qualquer intervenção no meio ambiente. Os animais, na maioria das vezes, podem mudar de lugar, as plantas, não. A vinha é 95% de água. Então, ela é muito sensível às forças de atração e repulsão dos planetas. A biodinâmica trabalha só para enfatizar as forças positivas da natureza, vitalizar a natureza.

Há muito de místico na biodinâmica, como enterrar chifres, fazer mapa astral O senhor acredita nisso?
A biodinâmica é como a religião: ou você acredita ou não. Não se pode tentar racionalizar demais.

O senhor acredita?
Sim. Mas a biodinâmica é apenas uma pequena parte da cultura da vinha. Ela prega justamente um mínimo de intervenção do homem. Respeita o terroir. O bom terroir é a conjunção perfeita do solo, do clima, da uva e do homem. Só com uma boa conjunção você é capaz de produzir um vinho com caráter. Todo mundo fala do produtor do vinho, mas o mais importante é o produtor da uva. O vinho não passa de uma conserva da uva.

O senhor é mais um produtor de vinho ou de uva?
Os dois, na nossa família todo mundo faz de tudo.

O senhor cuida dos vinhedos? Anda entre as vinhas?
O tempo inteiro. Essa é minha arte. É o que gosto de fazer. Sou um fazendeiro.

Sua mulher é brasileira. Já pensou em ter uma vinícola por aqui?
Talvez, já viajamos muito pelas regiões vinícolas do Brasil. Mas ainda não encontrei um terroir que se encaixe nos meus projetos.

O senhor conhece os syrahs da vinícola Guaspari, no interior de São Paulo?
Conheço. Estive na vinícola no ano passado. Muito interessante o trabalho deles e o vinho é bom.

Eles têm o terroir necessário?
Devem ter, mas o terroir não existe sem o homem. E, para o homem se aperfeiçoar, descobrir o que a terra pode dar de melhor, leva duas ou três gerações.


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