Folha de S. Paulo


Sorvete artesanal é bola da vez em SP; 'Comida' foi a campo discutir conceito

Você já tomou sorvete artesanal? Provavelmente sim, se levar em conta o que as sorveterias de São Paulo dizem a respeito de seus produtos –geralmente "embalados" nesse rótulo.

"Usa-se esse termo porque as pessoas o associam a uma produção especial, que não é feita em série –e aí se dispõem a pagar mais por ela", diz Suzane Strehlau, professora de marketing da ESPM.

Mas, se pararmos para pensar, o que de fato é artesanal? A Folha levantou a discussão, ouviu especialistas e produtores da França, da Itália, dos Estados Unidos e do Brasil para formular uma (possível) resposta.

Para Gérard Taurin, professor da parisiense École Lenôtre, "seria preciso um movimento político para definir o que é artesanal".

No dicionário, a palavra refere-se ao trabalho não industrializado. Mas, depois de visitar e provar sorvetes de massa em 15 lojas da capital paulista que se dizem artesanais, a conclusão é que, nessa seara, o conceito pode não ser tão rígido assim.

Muitas fizeram fama com ele –como a Bacio di Latte, que tem 16 lojas na cidade e atrai longas filas–, mas usam, como base das receitas, uma mistura industrializada de açúcares, emulsificantes e estabilizantes –ingredientes de origem vegetal, mas processados industrialmente.

"A forma como você faz o sorvete é o que o diferencia", defende o italiano Edoardo Tonolli, sócio da rede.

"Se você mistura os ingredientes e faz a pasteurização e o congelamento na casa, então faz um produto artesanal", diz Nicolas de Virieu, sócio da Dri Dri, que também usa uma base pronta, desenvolvida pela marca na Itália.

Proprietária da Convivio Il Gelato, Mônica Fasano traça um comparativo para defender a versão: "O sujeito que faz massas artesanais debulha o trigo e faz a farinha? Processa olivas para o azeite?"

Palmiro Bruschi, da Carpigiani University, escola em Bolonha (Itália), não recrimina o uso de produtos industrializados. O importante, diz, "é distinguir um bom produto semielaborado de um de má qualidade, e o grande sorveteiro sabe fazer isso".

Mas esse raciocínio não vale para todos os sorveteiros. Taurin, da École Lenôtre, diz que "quem usa pastas, pós e mix se distancia do artesão".

PASTAS E PISTACHE

Para os mais rigorosos, o "artesanal" pressupõe uma produção pequena, feita apenas com produtos frescos, sem nada industrializado.

Serve de exemplo a Frida & Mina, em Pinheiros, cuja receita só leva açúcar, gema, leite e creme de leite (além de frutas, baunilha, chocolate, a depender do sabor). Ali não tem pistache, por exemplo.

Isso porque, para esse sabor, uma pasta pronta é tida como indispensável. Ainda que algumas marcas tragam só pistache processado na lista de ingredientes, outras usam corantes e itens como castanha de caju.

"Eu poderia ir à zona cerealista comprar pistache, mas o ingrediente que chega ao Brasil não é de qualidade. E o processamento, além de complexo e custoso, dificilmente alcançaria o resultado da pasta", diz Alexandre Scabin, da Stuzzi. Ele afirma não ser possível abrir mão desse sabor, "um cartão de visitas", e usa uma pasta italiana.

"O sorvete artesanal é aquele que não adiciona à receita ar [usado para dar volume à massa], gordura hidrogenada, corantes e aromatizantes –diferentemente do industrial", defende Leo Guedes, sócio da Stuppendo.

Para salvaguardar uma receita típica, uma fundação foi criada por sorveteiros na Itália, em 2011. A Gelatieri per il Gelato adota o mesmo padrão. Em seu manifesto, proíbe justamente o uso desses três itens (gordura hidrogenada, corante e aromatizantes artificiais).

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PISTAS PARA IDENTIFICAR

Artesanal
Tem cores suaves, textura aveludada e cremosa (pouco aerada) e sabor persistente. Derrete rapidamente

Semiartesanal
Sua cremosidade é de um merengue. Tem sabor um pouco mais suave, com menos variação

Industrial
Tem cores berrantes e aromas artificiais; "pesa" mais


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