Folha de S. Paulo


Em restaurante na Índia, come-se com as mãos até lentilha e pratos com caldo

"Namastê!" Levada rapidamente à minha mesa, me deparo com copos e pratos de estanho, o menu escrito em uma tábua e, no lugar do guardanapo, um imenso babador –que o garçom rapidamente amarrou ao redor do meu pescoço, cobrindo todo meu peito, colo e até parte da coxa enquanto estou sentada.

"Se você fizer questão, eu posso trazer talheres", disse, solícito, mas em um tom reprovador. A proposta do Peshawri é mesmo que os clientes comam tudo com suas mãos, sem auxílio ou interferência de talheres, como manda a tradição de parte da Índia.

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A ideia é basicamente reproduzir, de maneira autêntica, os pratos servidos na província da fronteira noroeste, demarcada pelos britânicos em 1900, que então abarcava partes do Afeganistão e a área noroeste da Índia pré-independência.

No enxutíssimo menu, dividido apenas em vegetariano e não vegetariano, os pratos nunca mudaram desde a abertura da casa, em 1978 –o Peshawri que visitei fica no hotel ITC Mughal, em Agra, e há mais cinco casas em distintas cidades, como Jaipur.

A EXPERIÊNCIA

Na cozinha aberta ao público, suculentos tandooris –frango assado com iogurte e especiarias–, com pouca gordura, são preparados em forno de barro. As lentilhas, um dos maiores sucessos da casa, cozinham por nada menos que 48 horas, para garantir o máximo sabor. Os naans, clássicos pães indianos achatados, chegam à mesa quentíssimos, recém-saídos do forno –e enormes.

Para quem janta sozinho, há um menu-degustação com os pratos mais pedidos da casa, por cerca de US$ 38 (R$ 91), sobremesa inclusa.

Na mesa ao meu lado, um grupo de turistas chineses se divertia entre punhados de comida levados à boca e risinhos sem graça pelo ato, talvez considerado por eles um pouco primitivo. Logo em frente, três executivos ingleses tinham as mangas das camisas arregaçadas, abocanhando a comida e lambendo os dedos sem pudor.

Assim que meu menu foi colocado à minha frente, com o perfume da masala e do naam recém-assado se misturando, entrei na dança e segui os passos dos camaradas britânicos: mãos à obra!

Apesar das comidas virem com "caldo", o molho é sempre espesso, o que facilita o manuseio. Além disso, esses pratos "molhados" são comidos sempre acompanhados do delicioso pão indiano, o naam, que funciona à perfeição como uma espécie de colher para levar a comida do prato à boca.

Com minhas mãos muitíssimo bem lavadas antes de começar a refeição, nem sobrou espaço para qualquer neura referente à higiene. Curiosamente, o processo todo é mais natural do que poderia imaginar; me saí tão bem que só precisei de quando em quando limpar os dedos no babador.

Sem contar que poder deliberadamente lamber os dedos sem nenhum pudor ou vergonha quando um restinho do molho insistia em ficar grudado era mesmo impagável.


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