Folha de S. Paulo


Casas de lamen são disputadas em SP; saiba mais sobre o prato japonês

A tigela chega fumegante ao balcão. Na superfície do caldo de porco translúcido, gotículas de gordura. Cebolinha picada ao centro. Quatro finas fatias de lombo, meio ovo cozido, brotos de feijão e bambu e naruto (massa de peixe) impedem que se alcance com os olhos a massa, delicada e al dente, submersa na cumbuca.

No filme "Tampopo –Os Brutos Também Comem Espaguete", de 1985, diante de um lamen como esse, um mestre japonês ensina como se deve comer o prato, ingrediente por ingrediente, com devotada paciência oriental.

Eduardo Knapp/Folhapress
Shoyu lamen do Shinzushi, com ovo, lombo de porco e brotos
Shoyu lamen do Shinzushi, com ovo, lombo de porco e brotos

No Japão, aliás, há a estimativa de mais de 34 mil endereços só de lamen. No Brasil, a história é outra e a oferta, escassa. Portanto, casas especializadas nesse "macarrão ensopado", que preenche a boca e acalenta à primeira mordida, atraem longas filas em São Paulo.

No Aska, que fica na Liberdade, a espera chega a ser de duas horas. No Lamen Kazu, inaugurado em 2008 no mesmo bairro, a média é de ao menos uma hora. E, segundo a recepcionista, quando chega o inverno, o movimento quase dobra.

Atento a essa demanda Jun Takaki resolveu abrir, no início deste ano, o Ramen Ya, também na Liberdade. "O espaço aqui é maior, é possível até receber grupos, e tem um conceito de serviço mais parecido com o japonês", diz ele, em referência à forma de pagar a comida no caixa e recebê-la no balcão. As receitas, no entanto, são "adaptadas ao paladar brasileiro" e levam até linguiça artesanal.

Aqui, o prato não está restrito às casas especializadas. Ele compõe o menu de botecos (izakayas) e de restaurantes japoneses, como o Kidoairaku, que serve em atmosfera oriental a receita descrita no início do texto.

"Na década de 1980, ninguém em São Paulo comia sushi em um lugar e prato quente no outro, como no Japão. Por isso, o cardápio tinha que ter tudo", diz Ken Mizumoto, do Shinzushi, que faz a receita da família.

"A paixão dos japoneses pelo lamen sempre me intrigou", diz Mari Hirata, chef brasileira radicada no Japão há mais de 20 anos.

"Talvez exista um ar romântico, pois para se ter um lamen-ya [casa de lamen] basta ter uma economia e cinco metros quadrados."

*

LAMEN NÃO É MIOJO

O miojo é a massa do lamen frita no final do processo. A fritura é usada para conservar o macarrão, mas prejudica a textura do produto.

*

TIGELA FUMEGANTE

A essência do lamen –ou ramen, como pronunciam os japoneses– está no caldo. As receitas de longo cozimento (chegam a durar dias) misturam proteínas e vegetais e variam de casa para casa. "Alguns cozinheiros querem o caldo perfeito, com um 'blend' de mar e montanha", conta a chef Mari Hirata.

Para isso, podem ser usados peixes secos, frutos do mar, cogumelos, galinhas inteiras, cabeças de porco e costelas de boi, de acordo com a região japonesa. Além disso, podem ter sal (shio), molho de soja (shoyu) ou pasta de soja fermentada (missô).

É justamente por causa do caldo que especialistas dizem que no Brasil não se come lamen como no Japão. "Não chega aos pés. Há fãs ardorosos de casas daqui, mas não é bom. O caldo é muitas vezes congelado, e a massa se desintegra com facilidade", afirma Jo Takahashi, que ficou à frente da Fundação Japão por quase 30 anos.

"Os produtos não permitem que o caldo aqui seja bom como o de lá", diz Fabio Koyama, do Minato Izakaya. Por causa disso, segundo o chef Akio Kawamura, do Lamen Kazu, "ele é feito no restaurante, mas 80% dos ingredientes são importados".

Karime Xavier/Folhapress
Shoyu lamen do restaurante MN, cujo dono fabrica o próprio macarrão
Shoyu lamen do restaurante MN, cujo dono fabrica o próprio macarrão

No Minato Izakaya, em Pinheiros, há um prato de lamen, cujo caldo é feito com cabeça de porco e cozido por cinco horas. A massa é da tia do chef, feita na casa dela.

No tonkotsu lamen do Minato, há costela de porco, shimeji, kimchi (acelga picante) e um ovo de codorna (cozido no calor do prato). "Quando morei no Japão, eu fazia lamen com o que tinha em casa. Não existe um 'kit', cada um faz o seu", conta Koyama.

No Shinzushi, no Paraíso, o caldo é cozido por ao menos um dia e leva porco e galinha. "Apesar de ser um prato para comer e ir embora, a receita é difícil. Eu não abriria uma casa de lamen porque, se você não tiver um chef formado nisso, nunca vai conseguir manter a qualidade. Não é só fazer macarrão e colocar em um caldo", diz Ken Mizumoto.

Confira aqui a receita de Shoyu Lamen do MN Lamen.

*

MASSA CHINESA FOI ABSORVIDA POR JAPONESES

A massa usada no lamen foi levada ao Japão pelos chineses e absorvida pela gastronomia do país. Segundo o livro "Slurp! A Social and Culinary History of Ramen" (história social e culinária do lamen), de Barak Kushner, só no século 19 apareceram as primeiras casas vendendo massas em "estilo chinês". "A receita chinesa era diferente: com caldo menos suave, massa mais grossa e legumes por cima", diz o professor Hélio Takeda, da Universidade Anhembi Morumbi.

Editoria de Arte/Folhapress

*

ONDE COMER

EM SÃO PAULO

ASKA
Onde r. Galvão Bueno, 466, Liberdade; tel. (11) 3277-9682
A partir de R$ 13

IZAKAYA ISSA
Onde r. Barão de Iguape, 89, Liberdade; tel. (11) 3208-8819

KIDOAIRAKU
Onde São Joaquim, 394, Liberdade; tel. (11) 3207-8569
A partir de R$ 26

LAMEN KAZU
Onde r. Thomaz Gonzaga, 51, Liberdade; tel. (11) 3277-4286
A partir de R$ 25

MINATO IZAKAYA
Onde r. dos Pinheiros, 1.308, Pinheiros; tel. (11) 3814-8065

PORQUE SIM
Onde r. Tomas Gonzaga, 75, Liberdade; tel. (11) 3277-1557

PUB KEI
Onde av. Paulista, 854, lj. 69, Paraíso; tel. (11) 3145-1741
A partir de R$ 35

RAMEN YA
Onde r. da Glória, 326, Liberdade; tel. (11) 3208-7004
A partir de R$ 15

SHINZUSHI
Onde r. Afonso de Freitas, 169, Paraíso; tel. (11) 3889-8700
A partir de R$ 33

EM MOGI DAS CRUZES

MN LAMEN
Onde r. Coronel Souza Franco, 813, centro; tel. (11) 4726-2680
A partir de R$ 20


Endereço da página:

Links no texto: