Folha de S. Paulo


Clube de sabores básicos pode deixar de ser exclusivo

Doce, salgado, azedo e amargo –toda criança em idade escolar sabe que eles são a base do gosto. Nosso prazer a cada bombom saboroso ou cachorro-quente fumegante vem em parte da capacidade da língua reconhecer e sinalizar apenas quatro tipos de sabores.

Mas será que são apenas quatro? Nessa última década, pesquisas questionando essa noção vêm se acumulando. Hoje, o umami (saboroso, em japonês) é amplamente reconhecido como um sabor fundamental, o quinto. E agora outros candidatos, talvez algo entre dez ou 20, disputam sua entrada nesse clube exclusivo.

"O que começou como um desafio ao panteão de sabores básicos agora se abriu, então a questão inteira é se o gosto é mesmo limitado a um número muito pequeno de sabores primários", afirmou Richard D. Mattes, professor de ciências da nutrição da Universidade Purdue.

O gosto desempenha um papel intrínseco como um sistema de sensação química para nos ajudar a descobrir o que é nutritivo (estimulador) e como uma defesa contra o que é um veneno (aversivo). Quando comemos, produtos químicos chegam às papilas gustativas da língua e do palato. Enquanto reagem, ficamos encantados ou sentimos repulsa pelo que está em nossa boca.

Porém, a resposta do corpo pode nem sempre ser consciente. No final da década de 1980, num laboratório sem janelas do Brooklyn College, o psicólogo Anthony Sclafani investigava o poder atrativo dos doces. Os ratos de laboratório davam maior preferência à Polycose, maltodextrina em pó, do que ao açúcar.

Aquilo era intrigante por dois motivos: a maltodextrina raramente é encontrada em plantas que ratos possam encontrar na natureza e quando humanos a provaram, seu sabor não era óbvio.

Mais de uma década depois, uma equipe de estudiosos da ginástica descobriu que a maltodextrina melhorava o desempenho atlético –mesmo quando o aditivo sem gosto era colocado na boca e cuspido. A língua não informa nada; o cérebro sentiria a entrada de energia.

"Talvez as pessoas tenham um sabor para a Polycose", disse Sclafani. "Elas apenas não o reconhecem conscientemente, o que é uma possibilidade intrigante".

Sclafani e outros pesquisadores estão encontrando indícios de que os receptores de sabor na língua também estão presentes no intestino, quem sabe servindo como uma espécie de guia inconsciente para nosso comportamento. Tais receptores influenciam a liberação de hormônios que ajudam a regular a ingestão de comida e podem oferecer novos alvos para tratamentos da diabetes, afirmou Sclafani.

Muitos gostos são reconhecidos conscientemente, no entanto, e são distinguidos por terem conjuntos dedicados de células receptoras. Quinze anos atrás, biólogos moleculares começaram a descobrir quais células na boca despertam sabores amargos e doces.

Ao "nocautear" os genes que codificam os receptores de doces, eles produziram camundongos que pareciam menos propensos a buscar doces. Por fim, os supostos receptores do salgado e do azedo também foram identificados.

Em 2002, no entanto, à medida que os receptores do sabor eram identificados, as provas em grande medida confirmaram a existência de um gosto cuja existência aquele cientista defendia há anos, chamado umami.

O umami é sutil, mas é geralmente descrito como o sabor rico, carnudo, associado ao caldo de galinha, carnes maturadas, peixe, queijos, cogumelos, tomates refogados e alga marinha. Especialistas acreditam que ele pode ter evoluído como substituto imperfeito para detectar proteína.

Desde então, pesquisadores propuseram novas células receptoras na língua para detectar cálcio, água e carbonato. A lista crescente de gostos substitutos agora inclui saponáceo, lisina, elétrico, alcalino, hidróxido e metálico.

"O campo do sabor passou por uma grande revolução", afirmou Michael Tordoff, biólogo do Centro Monell de Sensações Químicas. "Fizemos mais progresso nos últimos 15 anos do que nos últimos cem".

Um candidato para o próximo sabor básico parece ter disparado na frente: gordura. A ideia existe há algum tempo e muitos cientistas pensavam que não se tratava de um gosto específico e, sim, de uma textura ou aroma.

Porém, recentemente, pesquisadores identificaram dois receptores de sabor para gorduras insaturadas na língua. E a gordura provoca uma resposta fisiológica. Mattes descobriu que os níveis de gordura no sangue sobem quando colocamos gordura diet na boca, mesmo sem nem engoli-la ou digeri-la.

Horas depois de uma refeição, basta o gosto dos ácidos graxos para elevar os níveis dos triglicérides, mesmo quando o nariz está tampado. Porém, a gordura, bem como o umami, não tem uma sensação perceptível clara e é difícil distinguir uma textura de um sabor.

Mattes afirma que a gordura pode ter uma textura que gostamos (rica e pegajosa) e um sabor que não gostamos (rançosa).

Se for assim, o gosto pode servir como parte de nosso sistema sensorial de alerta. Ainda segundo ele, quando a comida estraga, ela costuma ter níveis elevados de ácidos graxos e seu sabor pode ser "um sinal de aviso".

Embora ainda não exista consenso além de doce, salgado, azedo, amargo e umami, a pesquisa deixa claro que o sabor não se resume a um punhado de sensações discretas na língua. Em pouco tempo, os cientistas poderão ter de desistir da ideia de que só existem alguns sabores básicos.

"Quando se está falando de três, quatro, cinco ou seis, ainda dá para chamar de clube exclusivíssimo", argumentou Mattes. "Quando começa a passar disso, o conceito continua sendo útil?".


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