Folha de S. Paulo


Estudo tenta descobrir se cachaça tem mais qualidade que uísque e conhaque

Cachaça, uísque ou conhaque: é possível dizer qual dos três destilados é o melhor? Um estudo conduzido na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP), em Piracicaba (SP), propôs-se a tentar fazer essa comparação.

A pesquisadora Aline Marques Bortoletto criou uma cachaça nos laboratórios do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição. Desde 2012, conforme a bebida envelhecia, ela a submetia a uma bateria de análises.

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A cada mês, a cachaça era comparada a 20 marcas de conhaque e uísque –por ética acadêmica, a pesquisadora não divulgou os rótulos, mas diz que fez um leque variado de preços e origens.

No laboratório, foram feitas provas às cegas para análises de cor, aroma e sabor, além de análises químicas, de elementos como o teor alcoólico e diversos compostos.

Raquel Cunha/Folhapress
Copos de cachaça (à frente), uísque e conhaque
Copos de cachaça (à frente), uísque e conhaque

A surpresa: "Quando a cachaça atingiu um ano e meio de maturação, superou as demais bebidas em todos os aspectos". Isso não significa necessariamente que ela seja superior, "mas conseguiu extrair mais diferenciais da madeira que outros destilados".

Por diferenciais, entenda-se menos contaminantes (que são deletérios à bebida) e mais marcadores de envelhecimento –que terão reflexo positivo na parte sensorial.

MODO DE PRODUÇÃO

A cachaça da Esalq –que não será vendida– foi feita de forma diferente em relação às disponíveis no mercado (veja quadro abaixo).

Editoria de Arte/Folhapress

A principal diferença, diz a pesquisadora, foi o envelhecimento em tonéis de carvalho francês e americano de primeiro uso, ou seja, nunca usados. "Eles são comuns entre produtores de outros destilados, mas pouco usados para a cachaça. Porque são mais caros que os de segunda mão e que os de madeira brasileira", diz Maurício Maia, do blog O Cachacier.

EXISTE O MELHOR?

A Folha ouviu especialistas em bebidas para discutir o resultado da pesquisa: afinal, se cada destilado tem um modo de produção e particularidades sensoriais, aspectos químicos poderiam indicar que um é melhor que o outro?

"Isoladamente, nem sempre os compostos químicos se refletem de forma positiva na parte sensorial. Como eles interagem entre si é o que dá complexidade à bebida", diz Ensei Neto, engenheiro químico e consultor da área.

Mas experts reconhecem que a pesquisa pode referendar a impressão, até aqui empírica, de que a cachaça pode ter tanta qualidade e nobreza quanto outros destilados. "É injusto ela não estar ao lado de uísques, vodcas e conhaques na prateleira", afirma Felipe Jannuzzi, autor do projeto Mapa da Cachaça.

Outro consenso é que a pesquisa pode servir como manual de boas práticas para produtores. "O grande problema da cachaça, hoje, é a variação de padrão, inclusive em bebidas do mesmo produtor", diz Vicente Ribeiro, presidente do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça).

De acordo com Ribeiro, a bebida não tem, como o uísque e o conhaque, um órgão fiscalizador ou padrões para garantir sua qualidade.

"Vemos que falta formação a muitos produtores, até dos processos mais básicos de fabricação -da assepsia do ambiente ao controle das fases da destilação", diz Jannuzzi.


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