Folha de S. Paulo


Alex Atala não comparece à premiação dos melhores restaurantes do mundo

Pela primeira vez em nove anos o chef brasileiro Alex Atala não compareceu a Londres para a entrega do prêmio aos 50 melhores restaurantes do mundo, organizado pela revista inglesa "Restaurant".

Atala ia à cerimônia de divulgação da lista desde que estreou nela, em 2006, ocupando a 50a posição. O evento deste ano será realizado na noite desta segunda-feira (28), em Londres (Inglaterra).

Na lista do ano passado, Atala ocupou o sexto lugar, com o paulistano D.O.M., e pelo terceiro ano consecutivo se manteve entre os "top ten", o que tem lhe dado grande visibilidade mundial -e, de quebra, aumentado o prestígio da cozinha brasileira.

Mas, segundo o chef, é hora de concentrar-se mais em suas atividades no Brasil –em especial seus três restaurantes (D.O.M., Dalva e Dito e Riviera) e o instituto Atá, que ele dirige.

"Acabo de chegar da Amazônia, onde estive em atividades do instituto, e isso me dá enorme prazer e realização. As premiações e viagens internacionais, depois de anos, vão se tornando desgastantes. É hora de passar este bastão para a nova geração", diz o chef.

Ele também não esconde a decepção sofrida em setembro passado quando, na premiação regional da "Restaurant" na América Latina, o D.O.M. ficou em segundo lugar, atrás do peruano Astrid y Gastón, do chef Gastón Acurio -a premiação foi feita no Peru, país cujo governo realiza uma gigantesca operação de promoção da gastronomia local; na lista mundial, Acurio está bem atrás de Atala, no 14o lugar.

Leia abaixo os principais trechos da conversa de Atala com a Folha.

*

Folha - Por que você não vai comparecer este ano à cerimônia de premiação?
Alex Atala - Já são oito anos a fio que eu participo, este ano vou saltar.

É um gesto político, de divergência em relação ao prêmio?
Não. Político vai ser no prêmio dos 50 melhores da América Latina. O de Londres, não. É um gesto de preservação. Estou realmente cansado fisicamente, cansado de viagens, e também de alguma forma um pouco cansado do 50 Best. São oito anos em que eu vou lá.

Você acha que o prêmio está perdendo importância?
Não, o prêmio está cada vez mais importante. Não é isso. É só uma coisa pessoal, de querer ficar mais calmo, viajar menos, ficar mais aqui. Voltei semana passada da Amazônia, estou numa corrida grande. Estou querendo me preservar um pouco.

Não é uma critica ao prêmio de Londres. No prêmio da América Latina fiquei mesmo assombrado com como aconteceu, mas também com as reações aqui no Brasil, de gente que achou normal e até merecido o Brasil perder do Peru. Mas em relação ao prêmio internacional não tenho mágoa nenhuma, sempre fui muito feliz lá.

Sendo pessoal ou não, você sabe que, sendo "top ten", não comparecer vai produzir especulações.
A ideia não é nenhuma outra senão me preservar um pouco. As pessoas poderiam começar a entender o que é ser um chef; os concursos desgastam, tem uma hora em que a gente tem que cuidar um pouco da gente, senão fica louco.

Você simboliza esta nova fase da gastronomia brasileira; está abrindo mão de ser esse símbolo?
Não sei se abrindo mão desta minha posição ou fortalecendo uma nova geração. O Brasil tem algo que não existe no mundo, um conjunto potente de jovens chefs, de Manaus ao Rio Grande do Sul, já com restaurantes próprios fazendo um trabalho exemplar e com muita atenção à cozinha brasileira. É o momento de dar privilégio e protagonismo a eles.

E não falo só de imprensa ou de prêmio internacional, falo também no plano desses jovens poderem viajar tendo o direito que eu nunca tive, de ser apoiado por nossas embaixadas para levar os ingredientes para representar nosso país. Se a minha não ida ao prêmio puder ajudar nisso, seria importante.

Essa geração precisa de apoio. Você não vê no mundo hoje um conjunto de jovens chefs tão importantes, tão competentes, tão diversos de sabores e de ingredientes como a gente tem hoje. Então eu não estou renunciando, mas estou há muitos anos à frente da turma; agora eu quero continuar com a turma, mas eu atrás, eles na frente.

Você acha que não assumindo mais o papel de liderança você os reforça, e não os enfraquece, é isso?
Como eu disse, não estou renunciando de uma vez, estou só abrindo espaço para esta geração. Por exemplo, para chamar atenção para que o governo os apoie. Estive no Chile, discuti com a embaixada, perguntando por que não podemos levar nossos ingredientes na mala diplomática, temos que levar na nossa mala como traficantes, enquanto o Peru, por exemplo, leva. Já discuti com o Itamaraty, com a Embratur, não deu em nada.

A minha parte já fiz, não digo que não vou fazer mais, mas está na hora de usar este prestígio que eu consegui em favor dessa garotada. Alguns gritos que eu dei têm que ser usados não em meu favor, mas em favor deles.

Quais seus planos agora?
Eu não estou me recusando a continuar nesse papel, inclusive essa é uma vocação do instituto Atá. Nesse tipo de briga o Atá vai continuar –trabalhar na legislação do mel, em todos os segmentos da gastronomia, principalmente na promoção.

O Brasil não precisa mais de mim, eu preciso do Brasil. Ainda gosto da frase de que o maior inimigo da cozinha brasileira posso ser eu, se eu quiser brilhar sozinho, ocupando todos os espaços. Eu posso ofuscar.

Eu não quero sair de cena, só estou finalizando uma fase. Vou continuar com meus três restaurantes (D.O.M., Dalva e Dito e Riviera), vou continuar na cozinha, falando com a imprensa, com o governo, vou continuar com o Atá, tocando projetos na Amazônia, no Vale do Paraíba, e espero em breve no Pantanal e no Rio Grande do Sul.


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