Folha de S. Paulo


Chocolate produzido na casa de dona Nena, em Belém, é usado no D.O.M.

Fui criada no meio do cacau. Meus pais cultivavam. Quando casei, meus sogros também vendiam as sementes da fruta e faziam chocolate em casa.

Era de uma maneira bem simples: depois de torrar, descascavam a semente de cacau e "batiam" no pilão com açúcar. Era assim que os "antigos" faziam aqui na ilha.

Marília Miragaia/Folhapress
Dona Nena descasca cacau em sua casa
Dona Nena descasca cacau em sua casa

A ilha do Combu está a 15 minutos de Belém, mas não tem linha regular de barco para a cidade, só no fim de semana. Eu prefiro assim. Precisamos continuar a conviver com a natureza com harmonia. A ilha é quase toda floresta. Os moradores vivem nos rios que cortam a ilha. Na parte interna do Combu, encontramos árvores de cacau, cupuaçu, pupunha...

Dá também açaí, que é a primeira fonte de renda da maioria das famílias. Mas, para mim, é o chocolate. Comecei a trabalhar com cacau em 2002, fazendo artesanato. Mas meu grupo se desfez, o mercado já estava saturado.

Foi em 2006 que eu pensei em resgatar a receita do chocolate do Combu. Fiz isso porque queria vender produtos meus -processando o produto, a renda é maior. Não imaginava que ia dar uma repercussão tão grande.

Conheci o Thiago [Castanho, dos restaurantes Remanso do Peixe e do Bosque, em Belém] em 2011. Foi quando ele começou a usar meu chocolate, 100% de cacau.

Achei que ele ia me pedir para fazer mudanças na receita. Mas ele me disse: "Não muda essa receita, não". Hoje, ele usa meu chocolate e até minhas folhas de cacau para sobremesas.

Um chef de São Paulo, Alex Atala, também usa [em um menu-degustação do D.O.M., na receita de mandioquinha glacê, que leva chocolate da ilha do Combu e chantili de mel de abelha indígena].

Durante a safra, que vai de janeiro a maio e de junho a setembro, vendo 15 quilos de chocolate por semana. Quando não está na época, faço uma lista de espera.

Fiquei um tempo fazendo testes para encontrar a receita do chocolate. Estraguei muito cacau até encontrar a temperatura certa para a torra, que faço no meu próprio forno.

Também perdi dois liquidificadores, que queimaram enquanto eu tentava bater as sementes. Então, resolvi usar meu moedor de carne. Deu certo. Depois de processado, o cacau fica pastoso e aí é só fazer a "poqueca" [espécie de lajota, envolta em folha de cacau, que custa R$ 6 por 100 g] e esperar secar.
Criei um produto sem saber que era de qualidade. Quando algumas pessoas da ilha veem, choram. Essa cultura estava se perdendo.


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