Folha de S. Paulo


Porquinho-da-índia surpreende em pratos das melhores casas do Peru

Entre tradições milenares e o avanço da genética, o "cuy", o "porquinho-da-índia dos Andes", deu um grande salto da mesa popular aos menus dos melhores restaurantes, impulsionado por suas qualidades nutricionais e o "boom" da gastronomia peruana.

O "cuy" foi domesticado há mais de 3.000 anos nos Andes, onde não há casas de camponeses que crie o animal ritual ou prato de festa.

Cris Bouroncle/AFP
Porquinhos-da-índia são oferecidos em um mercado popular de Lima
Porquinhos-da-índia são oferecidos em um mercado popular de Lima

"Para o homem andino o 'cuy' é o animal mais popular, identifica-se com a vida e os costumes da sociedade indígena, com os rituais sagrados ou religiosos e segue sendo parte essencial da dieta", disse à AFP Sandro Gutiérrez, um especialista do Ministério da Agricultura.

O pequeno roedor aparece em imagens de peças de cerâmica Moche, uma cultura pré-colombiana estabelecida na costa norte peruana entre os anos 100 e 700.

Na Catedral de Cuzco, a capital do antigo Império Inca, pode ser visto assado na Cena Andina (1783), do pintor indígena Marcos Zapata.

Com o êxodo do campo à cidade, a criação deste animal, a princípio exclusivamente familiar, se estendeu a regiões urbanas, onde se comercializa muito bem nos últimos anos.
Manjar muito apreciado também na Bolívia e Equador, tem tido seu verdadeiro auge no Peru.

NO MELHOR RESTAURANTE DA AMÉRICA LATINA

Considerado por muito tempo um alimento "para os índios", o "cuy" se integrou à cozinha "novo andina" e hoje é parte do menu do emblemático Astrid & Gastón, considerado o melhor restaurante da América Latina em 2013, de acordo com ranking da revista britânica "Restaurant".

No distrito financeiro de San Isidro, em Lima, o restaurante Huancahuasi oferece exclusivamente pratos a base de "cuy". Sua chef, Paola Palácios, assegura que a carne deste animal se serve "sem ossos, patas e cabeça porque na cidade as pessoas não tem o costume de comer essas parte".

A carne de "cuy", cujo sabor está na entre coelho e frango, é particularmente nutritiva e possui "20% a mais de proteína, é de fácil digestão, rica em ferro e com muito pouca gordura", disse à AFP Lília Chauca, engenheira agrônoma especialista em zootecnia do Instituto Nacional de Investigação Agrícola, que trabalha há 40 anos no melhoramento genético do "cuy", estudando o cruzamento de espécies.
"Nos anos 1970, um 'cuy' pesava em média 380 gramas depois do nascimento. Hoje seu peso pode ser superior a um quilo", apontou.

Outro dos benefícios do 'cuy', disse a especialista, é que permite uma atividade lucrativa para as mulheres do campo, onde já não são mais criados só para o consumo próprio, mas para a venda.
"O Peru tem atualmente um a população de mais de 22 milhões de 'cuyes', que produzem anualmente 17 mil toneladas de carne", disse Gutiérrez.

PRODUTO DE EXPORTAÇÃO

Em Lima, o mercado Caquetá, no bairro popular de San Martín de Porres, é o principal atacadista de "cuy" na capital peruana. Entre os postos que vendem cabras e frangos, destacam-se cerca de 15 locais dedicados à venda dos pequenos mamíferos.

Em um abrir e fechar de olhos, centenas de "cuyes" são mortos, mergulhados em água fervente e destrinchados, prontos para ser vendidos em restaurantes, supermercados e empresas que os preparam para seus funcionários.

"Ultimamente vendemos entre 5 mil e 8 mil 'cuyes' por semana", assegurou um dos comerciantes, Oscar Carrasco. O peso ideal para venda vai de 800 gramas a um quilo e cada animal é vendido a 25 soles (US$ 9), explicou à AFP.

William Lossio, um engenheiro industrial que deixou tudo há seis anos para dedicar-se ao 'cuy', fundou seu próprio negócio: Machupicchu Cuy, em Pucusana, a 60 de Lima. "Queria ter independência econômica com um produto 100% peruano e exportável.

"Temos exportado bastante às comunidades peruanas nos Estados Unidos, mas a demanda local não deixa de crescer", contou.

Com a colonização espanhola, o "cuy" chegou à Europa do século 16, onde se adaptou rapidamente. Mas até agora no velho continente o pequeno animal é só um mascote para as crianças e está longe das mesas de restaurantes.


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