Folha de S. Paulo


Livro com receitas indígenas e visitas de chefs a tribos marcam interesse por essas tradições

Quando dona Brazi chegou a São Paulo quatro anos atrás, trazendo um embornal com saúvas, tucupi preto e beiju, foi um reboliço. Por semanas os chefs só falavam na índia baré e nas formigas que havia servido no Tordesilhas.

Agora a cozinheira volta à cidade para lançar "Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica", publicado pela editora Bei. "É raro as pessoas conseguirem pôr num livro suas histórias e receitas", diz à Folha, de São Gabriel da Cachoeira (AM). "Muita coisa aconteceu desde que o Alex veio me conhecer."

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Pesquisa cataloga tradições culinárias do alto Rio Negro

O Alex, a quem trata com intimidade, é o Atala. Foi ele o primeiro chef de São Paulo a visitar dona Brazi na cidade do alto Rio Negro em que quase 90% da população é indígena e onde só se chega de barco ou num turboélice.

Os paulistanos Mara Salles e Leo Botto, o catarinense Felipe Schaedler e o francês Pascal Barbot também foram a São Gabriel e visitaram comunidades indígenas da região. Conheceram ingredientes e modos de fazer dessa cozinha já algo cabocla.

Ilustração: Roberta Jaworski/ Folhapress

"Os povos da região têm uma dieta variadíssima, com alimentos provenientes da floresta, do rio e das roças. Os baniwa, por exemplo, consomem 45 tipos de frutas", diz o ecólogo Adeilson Lopes da Silva, da equipe do programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, o ISA.

São os baniwa que fazem a jiquitaia, pimenta em pó elaborada com diferentes variedades secas ao sol e piladas com sal. O ingrediente indígena é vendido em São Paulo e usado por chefs.

Para o ecólogo, a região dispõe de muitos outros produtos com potencial gastronômico semelhante. "Tem o tucupi preto, as farinhas, os óleos de palmeiras, os cogumelos comestíveis, o mel de abelhas nativas."

Eduardo Knapp/Folhapress
Viritre, instrumento usado pelos índios Yawanawa (no Acre), feito de madeira leve e com 4 hastes em uma das pontas usado pra preparar a caicúma (mingau)
Viritre, instrumento usado pelos índios Yawanawa (no Acre), feito de madeira leve e quatro hastes em uma das pontas usado pra preparar a caicúma (mingau)

VIVÊNCIAS

Mara Salles, que receberá novamente dona Brazi para um jantar a quatro mãos no Tordesilhas, diz que aprendeu a "pescar" saúva e a pôr a pimenta inteira nos caldos, no fim do cozimento. "Sem falar na complexidade das farinhas, o tanto de processamentos da mandioca."

Neste ano, outra chef esteve em uma comunidade indígena pesquisando os modos de fazer. Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, passou 27 dias na tribo dos yawanawá, no Acre. É com essa experiência que ela encerra seu novo livro, "Cardápios do Brasil", a ser lançado pela editora Senac/SP em novembro.

"Foi lindo vê-los sair para as caças coletivas. Ficam cinco dias na mata e voltam com alguns animais já moqueados. Os mais apreciados, como paca e anta, matam só no último dia, para a carne vir fresca", conta Ana Luiza, que está servindo um cardápio inspirado no que aprendeu com os yawanawá.

Impossibilitada de tratar as carnes na brasa, como os índios fazem para conservá-las, a chef criou uma cerâmica que emula um moquém. Sobre a peça, serve um pintado cozido com ervas amazônicas. No menu, a única caça é a paca, criada em cativeiro autorizado pelo Ibama.

Apresentadora de uma série de TV sobre gastronomia brasileira, a chef Bel Coelho esteve com os yanomami, no sul de Roraima, gravando um episódio para o Discovery e o canal franco-alemão ARTE.

Ajudou a colher mandioca, viu uma índia cozinhando um macaco recém-caçado e voltou impressionada com a forma como compartilham a comida. "Sabores e técnicas são muito simples. Foi uma experiência inspiradora. Gastronômica e socialmente."

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PARA COMER
Restaurantes que têm pratos inspirados na tradição indígena

Amazônia
Endereço rua Rui Barbosa, 206, Bela Vista, tel. 0/xx/11/3142-9264
Prove maniçoba (R$ 56) ou tacacá (R$ 17)

Brasil a Gosto
Endereço R. Prof. Azevedo Amaral, 70, Jardim Paulista, tel. 0/xx/11/3086-3565
Prove os pratos do menu Yawanawá, como o wutã (creme de mandioca com queixada; R$ 39) e o pintado na folha de bananeira (R$ 73); o menu-degustação custa R$ 189

Dalva e Dito
Endereço rua Padre João Manuel, 1.115, Cerqueira César, tel. 0/xx/11/3068-4444
Prove surubim com jambu e capim-santo (R$ 73)

D.O.M
Endereço r. Barão de Capanema, 549, Jardim Paulista, tel. 0/xx/11/3088-0761
Prove filhote com tucupi e tapioca (R$ 163)

Maní
Endereço rua Joaquim Antunes, 210, Jardim Paulistano, tel. 0/xx/11/3085-4148
Prove nhoque de mandioquinha com dashi de tucupi (R$ 39); peixe no tucupi com banana-da-terra (R$ 72), maniocas (tubérculos assados e servidos com espuma de tucupi e leite de coco; R$ 59)

Jiquitaia
Endereço rua Antonio Carlos, 268, Cerqueira César, tel. 0/xx/11/3262-2366
Prove arroz de pato com tucupi (R$ 39); apenas no jantar


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