Folha de S. Paulo


Casas criam menus que contam histórias

Para certos chefs de restaurantes estrelados não basta oferecer um menu-degustação gostoso: a moda manda que tenha um fio condutor e que seja inspirado nas antigas tradições de um país ou de uma região. Compõem a sequência de pratos como capítulos comestíveis de uma história.

O chef Jefferson Rueda, do Attimo (zona sul de São Paulo), deve lançar hoje o menu de nove serviços "Caminhos e Fronteiras", baseado no livro homônimo do historiador Sérgio Buarque de Holanda.

O menu resgata os sabores primitivos da alimentação dos bandeirantes e dos índios nos primórdios da colonização paulista. "Fazendo o que chamo de cozinha ítalo-caipira, percebi que, para entender minhas raízes, eu tinha que olhar para trás e pesquisar o que os primeiros paulistas comiam", diz.

O famoso chef italiano Massimo Bottura, da Osteria Francescana, em Modena, batizou seu último menu de "Venha à Itália Comigo". Leva os clientes a um passeio figurado por seu país.

Sergio Coimbra/Divulgação
Esturjão defumado do Eleven Madison Park, de Nova York
Esturjão defumado do Eleven Madison Park, de Nova York

A enguia laqueada, por exemplo, inspira-se em prato apreciado pelos nobres da família Este (patronos de Modena) séculos atrás, quando viajaram pelo rio Pó desde sua base em Ferrara, percorrendo país adentro.

Já o pluriestrelado Daniel Humm serve no Eleven Madison Park um extravagante menu cujas partes formam uma carta de amor a Nova York.

O serviço de queijos, em um cesto com uma garrafa de cerveja, faz alusão a um piquenique no Central Park.

Antigas delis de imigrantes judeus são homenageadas em um prato de fatias de esturjão que terminam de defumar à mesa, sobre carvão de macieira, servidas com uma latinha de caviar ao lado.

"Mais do que dar de comer, eu quero entreter", diz Humm ao explicar o porquê desses lances teatrais.

O novo menu do Attimo (R$ 220 por pessoa) é servido com menos espetáculo -exceto pelos momentos em que o garçom levanta um domo de vidro cheio de fumaça, revelando feijões verdes moqueados, e traz trouxinhas de cuscuz de galinha envoltas em panos, que aludem aos farnéis que os bandeirantes levavam em suas longas viagens.

Entre os melhores pratos, estão um simples caldo de codorna, vertido de um bule, e um virado à paulista (espécie de purê de feijão cozido e temperado, engrossado com mandioca) que consegue ser intensamente saboroso e delicado ao mesmo tempo.

Mauro Hollanda/Divulgação
Virado à paulista, do novo menu do Attimo, de São Paulo
Virado à paulista, do novo menu do Attimo, de São Paulo

O virado vem com um pedaço de porco muito tenro, bem pururuca, gema de ovo molinha e nacos de banana cozida.

"A pesquisa histórica que fizemos foi séria e custosa, mas quem prova o menu está lá para se divertir sem ter que pensar muito", diz.

A comida, apresentada com esmero, é infinitamente mais moderna e sofisticada do que as gororobas que davam sustento a colonizadores e índios pelas veredas do sertão paulista no século 18."Era bem limitado o leque de ingredientes", conta Rueda.

Ao forçar-se a usar esses mesmos alimentos -milho, mel, feijão, porco, carne de sol, frutas silvestres, carnes de caça- Rueda vai longe com pouco.


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