Folha de S. Paulo


Maior número de intolerantes a glúten resulta em ampliação de opções sem a proteína

À primeira vista, o prato abaixo não parece ser muito mais do que um saboroso espaguete com atum e legumes.

A rigor, é isso mesmo que ele é. Mas a criação da chef Flávia Marioto, do restaurante Mercearia do Conde, representa um tipo de alimento que vem ganhando espaço em restaurantes e prateleiras de mercados no país.

Eduardo Knapp/Folhapress
Espaguete com atum e legumes da Mercearia do Conde
Espaguete com atum e legumes da Mercearia do Conde

A massa leva farinha de grão-de-bico no lugar da de trigo. Em outras palavras, está liberada para celíacos, pessoas intolerantes ao glúten.

Esse tipo de proteína, presente em grãos como o trigo, confere elasticidade aos alimentos (deixa-os fofinhos).

Leia mais: Veja receitas sem glutén e saiba onde encontrar pratos e ingredientes em SP

Mas ele é altamente alergênico, e o número de intolerantes a ele só aumenta, também por melhoras no diagnóstico -hoje, são 2 milhões de brasileiros, segundo a Fenacelbra, federação do setor.

Nessas pessoas, o glúten provoca efeitos que vão de dores abdominais a manchas na pele (veja quadro abaixo).

Para eles (e também para dietas da moda, indicadas por nutricionistas que alegam que o consumo faz mal mesmo entre quem não tem alergia), a oferta de alimentos sem a proteína tem crescido.

A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais não possui números oficiais. "Mas é nítido que mercados têm aberto espaço para produtos sem glúten, com gôndolas exclusivas e a chegada de indústrias", diz Carlos Eduardo Gouvêa, presidente da Abiad.

Entre as novidades está a italiana Schär, maior produtora de alimentos para celíacos da Europa, que chegou ao país no fim do ano passado.

A feira Glúten Free, em julho, reuniu 1.300 visitantes e 38 marcas -a primeira edição, em 2010, teve oito expositores.

Restaurantes também aderiram à onda. A rede de pizzarias Sala Vip, por exemplo, criou em abril uma massa com farinhas de mandioca e de arroz no lugar da de trigo.

Outro restaurante do grupo, o Nico Pasta & Basta, na zona sul de SP, iniciou na semana passada um festival de massas sem glúten, que vai até o próximo dia 31.

A indústria e os restaurantes têm provado que sem glúten não é igual a sem sabor.

FORA DE CASA

Boa notícia para quem aboliu (ou precisa abolir) o glúten do cardápio: bares e restaurantes que se adequarem às normas de preparo de alimentos sem a proteína serão identificados com um selo.

O certificado será emitido pela Fenacelbra (Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil), que vai lançar o programa na primeira quinzena do mês que vem.

Um problema comum nesses estabelecimentos é a chamada contaminação cruzada. "O chef até compra ingredientes sem glúten, mas no preparo usa utensílios que contêm resquícios de algo com a proteína, o que faz mal aos intolerantes", diz a nutricionista Lucélia Costa, presidente da Fenacelbra.

A entrega do selo será feita da seguinte forma: estabelecimentos interessados devem procurar a entidade, que vai enviar agentes para ensinar boas práticas de armazenamento de ingredientes, uso de maquinário e preparo.

Com certificados em mãos, os restaurantes farão parte de um guia a ser feito pela federação -sem data definida.

Ilustração William Mur/Editoria de Arte/Folhapress

TAPIOCA E FUBÁ

Quem tem intolerância ao glúten cria táticas para adaptar pratos e continuar saindo para jantar (veja nos quadros receitas e uma lista de casas com opções sem glúten).

O publicitário Thiago Giglio, 32, diagnosticado como celíaco há um ano, conversa com o chef antes de fazer o pedido em restaurantes. Em bares, trocou a cerveja pelo vinho ou pela caipirinha.

Trëma/Folhapress
O casal Thiago Giglio e Milena Neumann, com a coxinha sem glúten
O casal Thiago Giglio e Milena Neumann, com a coxinha sem glúten

"Percebi que não precisava deixar de curtir a vida e a comida só por causa da intolerância", diz.

Em casa, sua mulher, a nutricionista Milena Neumann, 29, ajudou a encontrar alternativas gastronômicas.

A primeira receita sem glúten dos dois foi a de coxinha.

No lugar de farinha de trigo, a massa do salgado de Milena leva farinha de arroz; para empanar, fubá mimoso em vez de farinha de rosca.

"Testando, você encontra substitutos que mantêm o paladar e a consistência originais -quando não os melhoram", diz a chef Renata Cruz, do Amici, na zona oeste de SP.

Alérgica a glúten, Renata usa farinha de arroz para quiches e farinha de milho e biscoito de polvilho triturado em preparos à milanesa.

Outra cozinheira celíaca é Carol Brandão, do Las Chicas, também na zona oeste. "Desenvolvi outros sentidos. Sem poder provar, treinei para saber o ponto das coisas pelo cheiro e pelo tato", afirma.

Entre as alternativas que criou, a mussaka leva amido de milho no molho branco, em vez de "roux" (farinha de trigo com manteiga). "A doença me obrigou a pensar em opções, o que ampliou a gama de ingredientes e receitas."

Substitutos ao glúten incluem tapioca, farinha de grão-de-bico, fécula de batata ou de mandioca e grãos como quinua, amaranto e chia.

Em mercados tradicionais, é possível encontrar produtos sem glúten, de chocolate a cerveja.

William Mur/Editoria de Arte/Folhapress

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