Folha de S. Paulo


Algumas atrações turísticas fazem parecer que nada mais vale a pena

Zhang Chuanqi/Xinhua
Ruínas de Chan Chan, no Peru
Ruínas de Chan Chan, no Peru

Um Patrimônio da humanidade no Peru, segundo a Unesco. Andando pelo que sobrou daquela cidade –se é que era uma cidade, como a gente entende uma concentração urbana hoje– é possível viver a história não como uma memória, mas como um cotidiano que você certamente não vivenciou, mas pode imaginar sem muito esforço, tamanha a imponência de tudo a sua volta. Visitei esse sítio arqueológico na certeza de que, ao fazer uma reportagem sobre ele, estava transportando quem me assistisse não apenas para uma outra época, mas para uma outra possibilidade para a nossa civilização. Essa é a força de Chan Chan.

Se você achou que a descrição acima tinha mais a ver com Machu Picchu –que é, claro, uma referência mundial de turismo, sobretudo no Peru–, eu entendo. Muitas vezes atrações turísticas são ímãs tão fortes para quem passa por determinado país que elas "roubam" a cena ou, ainda, sequestram a curiosidade de quem viaja como se aqueles fossem os únicos lugares numa determinada cultura que valessem conhecer. O que é uma pena.

Brinquei de confundir sua imaginação –ou talvez sua memória, se é que você já foi a Machu Picchu– de propósito. Queria justamente distrair seu foco e, mais ainda, até desobrigar você, peregrino dedicado, de cumprir certas metas. Eu sei: eu mesmo, neste espaço, várias vezes descrevi minha chegada a lugares que um dia sonhei em visitar. Lalibella, na Etiópia, por exemplo, é um deles –uma experiência fascinante que outro dia mesmo compartilhei aqui com você. Mas é que às vezes passamos perto de um lugar "óbvio" e não chegamos a conhecê-lo. Um "pecado"? Vejamos.

Já fui ao Peru três vezes (sem contar as escalas para outros destinos da América Latina) e nenhuma delas tinha Machu Picchu no itinerário. Não era uma teimosia, mas fruto da maneira como essas viagens foram surgindo. Digamos por exemplo que você está com um grupo de amigos que, já tendo riscado Machu Picchu da lista, queira explorar outro canto do país. Foi assim que passei um Natal à beira do lago Titicaca (tema de uma das minhas primeiras colunas). Ou então você tem uma missão profissional específica, como essa vez em que fui a Chan Chan: estava fazendo uma série para a TV sobre patrimônios da humanidade ameaçados, e ali, mais do que no famoso cartão postal peruano, a situação era muito crítica, e era isso que queríamos mostrar.

Não me arrependi de nenhuma dessas viagens, claro! Os dias em Titicaca representaram uma das jornadas mais fortes da minha vida. E de Chan Chan –a antiga capital do reino Chumi, na costa do Peru, quase toda construída de areia, com muros e esculturas frágeis que foram destruídos pela terrível combinação da ação do tempo com o descaso humano– trago até hoje a lembrança da diversidade cultural desse canto do mundo. Sem falar das espetaculares aventuras gastronômicas de Lima, e das escalas inusitadas em Quito, Cusco, Iquitos...

Mas até hoje, fim de 2017, estou "devendo" Machu Picchu para a minha coleção. Tenho pressa de ir conhecê-la? Não mais do que Fernando de Noronha, outra referência turística fortíssima, no nosso próprio território, e que nunca menciono que ainda não visitei sem uma certa culpa. Ou o monte Saint-Michel, na França. Ou Siena, na Itália. O Vale dos Reis, no Egito. Toda essas maravilhas ficam em países que visitei mais de uma vez, mas que eu sei que estão lá me esperando...

Menos do que um arrependimento de não tê-los (ainda) conferido de perto, eu os guardo numa lista de provocações. Sei que vou chegar lá, assim como sei que vou retornar aos países que abrigam esses tesouros. E que eles vão estar lá. A espera talvez só os torne mais interessantes para mim, visitante tardio. E quando esse dia chegar, aí sim me curvarei diante de ti, Machu Picchu.


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