Folha de S. Paulo


O fim do mundo

"Monsieur" Ali nos esperava em Timbuktu com essa frase, num francês carregado de sotaque árabe: "Bienvenu sur la fin du monde". Depois de 26 horas de viagem de carro, da capital do Mali (África) até essa cidade histórica, eu de fato não achava que poderíamos ir mais longe: ali tinha de ser um ponto final.

Eu fui até lá fazer uma reportagem -parte de uma grande série sobre Patrimônios da Humanidade da Unesco que estavam ameaçados. Mas a experiência de passar por um lugar como Timbuktu vai muito além do que as câmeras podem captar. Há, de início, um sentimento de desolação. O lugar é longe, de difícil acesso e no meio do nada.

Eu deveria ter ido com a equipe de avião, mas se você já enfrentou problemas com o sistema aeroviário do Brasil, imagine o do Mali. Tínhamos feito o check-in ainda em Paris, no escritório da Compagnie Aérienne du Mali (ou Air Mali) para garantir -apenas para descobrir que, uma vez na capital do país, Bamaco, nada estava garantido.

Com a notícia de que nosso voo estava cancelado (por razões obscuras), nossa opção era enfrentar 900 km de estrada -só 200 de asfalto!- num "kat-kat". Tratava-se de um "4x4". Surrado de tantos trajetos, o veículo era nossa melhor chance de chegar a Timbuktu a tempo de fazer a reportagem. Não foram as 26 horas mais fáceis que enfrentei, mas o carinho de "monsieur" Ali na chegada foi a recompensa. Ainda que no fim do mundo.

Não havia ironia nem autopiedade nas suas boas-vindas. Era simplesmente uma constatação. Do alto de qualquer casa em Timbuktu, o que se vê como horizonte é só o deserto do Saara. Areia, areia, areia. A cidade é pequena: depois de duas voltas de moto, já estava familiarizado com suas ruas. Mas mesmo neste lugar tão longínquo descobri que é possível encontrar cultura, hospitalidade e até uma certa emoção.

Era com certo orgulho que "monsieur" Ali me levava por lugares como a mesquita de Djingareyber (século 14) e a biblioteca com antigos exemplares do Alcorão. Seu assistente, Mohammed, já havia organizado um jantar típico tuaregue para mais tarde -evento que um dia merecerá uma coluna só para ele. Com cultura e hospitalidade resolvidas, fui experimentar a emoção daquele lugar.

Ao tentar gravar uma passagem -trecho no qual o repórter apresenta onde está-, encontrei um obstáculo inédito na minha carreira. Eu não conseguia completar a frase que tinha que dizer sem cair no choro. Mas que choro era esse? Até hoje não sei.

Talvez tivesse a ver com o fato de estar num lugar tão longe na nossa imaginação, que parecia quase impossível eu ter chegado lá. Lembro-me de brincar que Timbuktu lembrava um daqueles destinos que o Tio Patinhas escolhia para viajar com seus sobrinhos nas histórias em quadrinhos, girando um globo e colocando o dedo num lugar aleatório. Pois eu estava lá!

Talvez o choro tivesse a ver também com o cansaço da viagem. Ou com a generosidade das pessoas que me recebiam em Timbuktu. Mas acho que as lágrimas mesmo vinham porque eu tinha chegado ao fim do mundo.


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