Folha de S. Paulo


Unidos do Lacrimogêneo

Há quem critique as manifestações populares porque atrapalham o trânsito --sobretudo quando são realizadas em locais como a avenida Paulista, "uma das principais artérias da cidade, repleta de hospitais e centros de negócios", como se costuma dizer.

Para estes, os protestos deveriam se dar em um lugar delimitado e afastado do centro. As autoridades, alertadas com antecedência, marcariam a data num período à prova de importunação --domingo de manhã, quarta de madrugada ou no meio de um feriado prolongado.

A melhor ideia até agora veio da carioca Letícia Vargas de Oliveira Brito, que postou em seu blog (Livro da Lelê) as regras para uma passeata "organizada e bem limpinha" no Sambódromo.

Aqui vão algumas das propostas, com adendos de minha lavra.

Ilustração Catarina Bessell

Cada protesto terá 65 minutos para se apresentar. Os jurados avaliarão quesitos como: evolução, conjunto, harmonia e análise de conjuntura marxista.

Marcas de cerveja irão patrocinar o ato, que contará com a presença de celebridades nos camarotes VIP. Adereços como máscaras e óculos de natação serão obrigatórios, pois a cenografia vai demandar muito gás lacrimogêneo. Correntistas premium e portadores de cartões platinum terão 20% de desconto e prioridade na fila de entrada. Consumo de vinagre, só com moderação.

Servindo simultaneamente como abre-alas e saco de pancadas, a comissão de frente formada pelos "black blocs" será avaliada em quesitos como pirotecnia e vandalismo.

No início do desfile, o puxador de samba poderá gritar ao megafone: "Incendeia, 'black bloc'", e não será metafórico.

Na sequência, o bloco do Passe Livre entrará na avenida com um busão alegórico representando o sucateamento dos transportes. Logo atrás virá a ala dos Anonymous, que será julgada (sem direito a habeas corpus) pelos adereços e harmonia.

O bloco dos partidos vai levantar a arquibancada com palavras de ordem e terá direito a 32 casais de mestre-sala e porta-bandeira. As alas dos professores, dos bancários e dos estudantes da USP darão prosseguimento ao espetáculo, acompanhados por uma equipe de apoio formada por advogados ativistas e o GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular).

O bloco dos coxinhas terá passistas de camisa branca cantando o Hino Nacional, e a ala dos P2 marcará presença plantando provas ao longo do Sambódromo.

O desfile será televisionado pela Globo, com narração de Cléber Machado e comentários de Lecy Brandão.

(A Mídia Ninja perdeu os direitos da transmissão e só poderá filmar do lado de fora.)

A ala do Choque ficará posicionada no recuo da bateria e promete terminar o desfile arrastando a multidão.

O enredo será: "De Cabral a Cabral, nada muda na Geral".


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