Folha de S. Paulo


Guardiola enxerga o futebol com os olhos e com a imaginação

O Grêmio correu, lutou, marcou muito, jogou por uma bola, como gostam de dizer, que não apareceu. Prevaleceu a enorme superioridade do Real Madrid, mesmo sem o brilho costumeiro.

O time que tem mais empolgado em todo o mundo é o Manchester City, dirigido por Guardiola. Ontem, conquistou a 16ª vitória seguida do Campeonato Inglês, sobre o Tottenham.

Há uma tendência mundial, que ainda não chegou aos times brasileiros, de jogar com apenas um volante centralizado, dois meio-campistas, além de dois pontas e um centroavante. Mas o City é a única equipe em que os armadores, De Bruyne e Davi Silva, jogam a maior parte do tempo perto da área adversária, o que é possível por causa da rápida recuperação da bola próximo ao outro gol. Nas outras equipes, com apenas um volante, os armadores atuam mais recuados, formando um trio no meio-campo.

Muito mais importante que o sistema tático, são os conceitos de Guardiola, alguns só dele, inovadores, como o de, quando o time recuperar a bola, avançar com os laterais mais por dentro, com os pontas abertos, possibilitando mais espaço para os armadores chegarem ao ataque.

Outras estratégias usadas por Guardiola são comuns às grandes equipes, como pressionar quem está com a bola, trocar passes desde o goleiro, diminuir os espaços entre os setores e jogar com os zagueiros um pouco mais adiantados. No Brasil, ao contrário, quase todos os zagueiros atuam colados à grande área, o que aumenta os espaços entre eles e o meio-campo, ainda mais quando os armadores avançam na marcação. Essa é uma das inúmeras deficiências coletivas do Flamengo.

Uma boa explicação da perda do título da Sul-Americana foi a de Diego. Para ele, o Flamengo, no segundo tempo, se desorganizou, na ânsia de ganhar o jogo, com os jogadores muito distantes uns dos outros. Diego está melhor como comentarista que como armador. Outra ótima opinião foi a de Nalbert, no Redação SporTV. O craque do vôlei disse que faltou lucidez individual e coletiva ao Flamengo para tomar as decisões corretas. Essa deficiência, frequente nos times brasileiros, principalmente em jogos decisivos, tem a ver também com a planejada selvageria fora de campo, o que traz insegurança aos jogadores, pressionados, acuados, para ganhar de qualquer maneira.

Volto a Guardiola. Bayern, Barcelona e Manchester City, treinados por Guardiola, são três times diferentes. Por mais importante e criativo que seja um treinador, o que melhor define o estilo de uma equipe são o talento e as características dos principais jogadores.

O Barcelona só encantou com o tique-taque, troca curta de passes, porque tinha no meio-campo Iniesta e, principalmente, Xavi. O City só é tão intenso e veloz no ataque, também com muita troca de passes, porque possui jogadores para isso, sobretudo De Bruyne, que é armador, atacante e ponta. Guardiola, no Bayern, respeitou as particularidades do futebol alemão e usou muito o jogo aéreo, por causa dos ótimos cabeceadores Müller e Lewandowski.

Mas a grande qualidade de Guardiola, a síntese de seu talento, do envolvimento emocional com o jogo e de sua importância para o futebol, está no conceito único, básico, usado nos três times, de que não basta vencer, é preciso jogar muito bem, brilhar, sonhar. Guardiola enxerga o futebol com os olhos e com a imaginação.


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