Folha de S. Paulo


Um exemplo de maconha legal

Deixem eu começar com a declaração que toda matéria sobre drogas deveria fazer a respeito da "persuasão" do autor: eu não uso maconha, nunca usei e não pretendo usar. É fato mais do que comprovado que o uso regular prejudica a memória e a cognição, e prezo muitíssimo o equilíbrio químico do meu cérebro.

Dito isto: estive em Denver, nos EUA, com uma tarde livre para flanar com meu marido e, ambos curiosos, achamos uma loja de venda legal de maconha na rua principal do centro da cidade.

Não havia nada de notável na entrada, vazia como o resto da rua. Nenhuma aglomeração de jovens ávidos por se drogar, nem rodinha de maconheiros por perto nem polícia. A loja, com poucos clientes, ficava no subsolo, guardada por portas duplas e um segurança que exigia documentos de todos. É preciso ser maior de 21 anos; não é preciso ser residente do Colorado nem dos EUA –e assim eu, brasileira, entrei.

A loja, toda branca como uma Apple Store, era impecavelmente organizada, com mostruários vedados dos vários produtos: botões de maconha de diversas variedades de Cannabis sativa e Cannabis indica em potes de acrílico lacrados (e presos às mesas por cabos de aço) mas cheiráveis por orifícios; estantes transparentes mas fechadas com biscoitos, bolinhos, balas, tabletes de chocolate, todos com a concentração de THC marcada, além da parafernália, colírio e incenso.

Nada pode ser tocado pelos clientes. Pedidos são feitos em uma prancheta com a lista completa de produtos disponíveis. Um cartaz explica que o pagamento somente pode ser feito em dinheiro –porque a legislação não chegou à esfera federal, então os bancos ainda não querem correr o risco de operar as transações dessas lojas. Mas o problema é resolvido com um caixa automático no interior da loja, ao lado, aliás, de um mapa-múndi onde os clientes podem deixar um alfinete espetado mostrando de onde vieram. O negócio é internacional, mesmo sem sair de Denver.

E, mais importante de tudo, a venda é legal e não financia o tráfico (como faria se o Estado tivesse apenas descriminalizado o porte e uso de maconha). Pelo contrário: reverte milhões de dólares por mês para o Colorado, em 17% de imposto de vendas mais outros impostos pagos pela loja. Os brasileiros se acham descolados, mas quem saiu na frente foram nossos primos puritanos do faroeste americano.


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